As carências da Justiça são-tomense expostas pelos Advogados, Ministério Público e o Governo

O Governo defendeu que o “pedido de socorro” do povo “deve ser ouvido, estudado e compreendido de modo a merecer um esclarecimento do poder instituído.

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A Ordem dos Advogados são-tomenses denunciou a falta de vontade política do Governo para corrigir falhas da justiça, enquanto o Ministério Público apontou “condicionamento políticos e financeiros” e o Governo pediu resposta ao “grito de socorro da população”.

As posições foram expostas durante a cerimónia de abertura do novo ano judicial, no sábado.

O bastonário da Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe (OASTP), Wilfred Moniz, realçou que com a pandemia da covid-19 “o funcionamento do sistema judicial, que já era ‘de per si’ moroso, excessivamente burocrático e com enorme pendência processual, tornou-se ainda mais lento e a não corresponder os anseios dos cidadãos”.

“Todavia, entendemos que apesar de todas essas vicissitudes, muito poderia ter sido feito no âmbito da tão propalada reforma da justiça, se tivesse havido mais vontade política e empenho de todos nós em prol do mesmo objetivo: mudar o estado atual das coisas”, afirmou Wilfred Moniz, defendendo que “é necessário coragem e vontade política para reformar profundamente o sistema”.

O bastonário denunciou que a morosidade processual agravou-se “levando a que muitos processos estejam moribundos nos tribunais” e recordou os “lamentáveis episódios” de “inundação e destruição de arquivos, livros centenários e parte do acervo documental da direção dos registos e notariados” acorrido em janeiro, “cuja dimensão real ainda hoje não se conhece”.

O responsável da Ordem defendeu que “não pode haver boa administração da justiça, sem que haja condições de trabalho para todos os operadores judiciários”, incluindo os advogados.

Queremos denunciar as situações em que são realizados julgamentos sem advogados. É chegada a hora de os tribunais se deixarem de tais práticas que põem em causa o devido processo legal e as garantias de defesa dos cidadãos. Não podemos concordar que se façam julgamentos com funcionários judicias como defensores oficiosos”, acrescentou Wilfred Moniz, enfatizando que a inexistência do Tribunal da Relação “afeta gravemente a realização da Justiça, ficando os cidadãos privados de um grau de recurso”.

“Devemos ainda refletir sobre o propósito da separação do Tribunal Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça. Se continua servindo o propósito para o qual foi separado ou não, num momento em que se vê despesas avultadas”, acrescentou, considerando que “é injusto assistir” que os juízes do Tribunal Constitucional ganhem muito mais por “tramitar cerca de 30 processos por ano”, enquanto um juiz de primeira instância ganha muito menos, mas tramita “mais de 800 processos por ano”.

“Pedimos desculpa com humildade a qualquer são-tomense que possivelmente não teve o atendimento atenção que merece, que lhe é devido”, disse, por seu lado, o procurador-geral da República, Kelve Nobre de Carvalho, defendendo a continuidade dos “passos significativos que vêm sendo dados, não só na investigação e na cooperação judiciária internacional, como na qualidade e número das acusações produzidas, e das sentenças condenatórias que sobre muitas recaíram”.

Segundo Kelve Nobre de Carvalho, “a investigação criminal em São Tomé e Príncipe encontra-se manietada pela falta de meios tecnológicos, como interceções telefónicas, perícias financeiras e contabilísticas, perícias médicas forenses”, sendo as provas sustentadas pelas testemunhas e documentos.

Apesar disso, assegurou que “não existem intocáveis”, pois o Ministério Público “investiga todos, sem exceção”.

Referindo-se diretamente ao Governo, o procurador-geral da República realçou que “o funcionamento do sistema da Justiça padece por condicionamentos políticos e financeiros”, esperando que “o poder executivo não se esqueça que a administração de boa Justiça deve sempre ser uma das prioridades absolutas”.

Enquanto representante do senhor primeiro-ministro, tomei boa nota das sugestões e dos recados, das propostas – algumas já por demais conhecidas – e, uma vez mais, nós tudo faremos para, dentro daquilo que é a nossa realidade económica e financeira, garantir os direitos constitucionalmente consagrados aos cidadãos, no que tange ao acesso a uma justiça mais justa, mais célere, mas imparcial e menos burocrática”, assegurou o ministro da Presidência do Conselho dos Ministros, Wuando Castro.

O governante referiu que o executivo tem escutado a população, no âmbito das atividades do mês da Justiça, recolhendo reclamações que permitem constatar que “parte das frustrações” do povo “está relacionada com o modo de funcionamento da Justiça” e ou com o modo de atuação da Polícia Nacional.

“Ao cidadão preocupa também a falta de celeridade e o facto de, por vezes, as penas aplicadas aos infratores não corresponderem às expetativas do lesado que só quer o seu bem de volta, numas situações, e noutras, ver o seu problema resolvido”, acrescentou Wuando Castro.

O ministro da Presidência do Conselho de Ministros defendeu que “este pedido de socorro” do povo “deve ser ouvido, estudado e compreendido de modo a merecer um esclarecimento do poder instituído que pode ser do judiciário, mas também do executivo e do legislativo”.

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