PGR diz que Polícia Judiciária é incapaz de combater a corrupção em São Tomé e Príncipe

“Neste momento, combater a corrupção não é pegar uma carinha branca, com chapa matrícula do Estado, uma [arma] kalashnikov, pegar uma pessoa dar duas chapadas. Não se combate assim a corrupção”, disse Kelve Nobre de Carvalho que reclamou investimentos para combater este crime.

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Kelve Carvalho

O Procurador-geral da República criticou a ausência de investimentos na Polícia Judiciária que considerou estar “completamente desestruturada, incapaz e fechada em si” e afirmou que a soberania judiciária de São Tomé e Príncipe está beliscada e só funciona graças à cooperação internacional.

Depois de ter visto os resultados do primeiro Índice de Corrupção e Governação em São Tomé e Príncipe (ICG-STP) lançado durante um intercâmbio internacional sobre a governação e luta contra a corrupção em São Tomé, Kelve Nobre de Carvalho, que foi um dos oradores, disse que o discurso que tinha escrito “deixou de fazer sentido” e falou “em discurso direto” para “dar a impressão concreta e clara” do trabalho do Ministério Público no combate à corrupção.

No ICG-STP foram apontadas várias carências da Procuradoria-Geral da República e referido que “mantém-se a ideia de que a grande corrupção ainda escapa nos processos de investigação” realizados pela PGR e que “os poucos realizados não chegam a serem acusados, pela falta de provas ou mesmo deficiências na instrução”, acrescentando que “há quem entenda que a inércia da Procuradoria faz parte de uma estratégia de um meio politizado em que os próprios procuradores se encontram inseridos”.

Kelve Nobre de Carvalho explicou que a PGR tem quatro magistrados que trabalham diretamente nos processos de criminalidade económica e financeira, mas “sem a polícia, sem meios digitais, sem escuta telefónica, só com documentos, sem a perícia financeira” e com “uma dependência enorme da cooperação internacional, o que é muito mal”.

“A soberania judiciária está beliscada em São Tomé e Príncipe. A investigação criminal tem um preço [e] país que é país tem que ter capacidade para pagar as suas coisas, principalmente a investigação criminal quando ela quer ser, acima de tudo, digna”, afirmou Kelve Nobre de Carvalho.

O procurador-geral da República defendeu que “é preciso tirar a cabeça dentro da área e encarar as dificuldades concretas” que existem no combate à corrupção em São Tomé e Príncipe, sobretudo nas carências da Polícia Judiciária (PJ).

“Temos um outro problema grave e concreto: a inexistência de uma polícia capaz de investigar algo por si. Temos uma Polícia Judiciária completamente desestruturada, incapaz, fechada em si, em que ninguém, efetivamente, junta-se a ela no sentido de modernizá-la, digitalizá-la e capacitá-la para ajudar e auxiliar o órgão da ação penal [MP] na sua tarefa”, criticou.

Segundo o Procurador-geral da República neste momento a PJ tem 20 elementos, mas “não há ninguém capaz de investigar a corrupção, nem fazer a perícia financeira” obrigando que todo o trabalho de investigação da corrupção seja feito pelos procuradores do Ministério Público (MP).

“O Ministério Público são-tomense tem que ser obrigatoriamente magistrado e polícia, tem que ser obrigatoriamente perito financeiro e magistrado, tem que ser obrigatoriamente contabilista, engenheiro químico, engenheiro civil e muitas vezes psicólogo”, reclamou.

“Combater a corrupção assim é fácil?” questionou Kelve Nobre de Carvalho, acrescentando que nos últimos cinco anos o Ministério Público sofreu uma redução orçamental de cerca de 40% e a verba que recebe do Estado “só dá para pagar os salários”.

“Se não fosse a cooperação internacional nós não existiríamos como uma magistratura”, afirmou, assegurando que, ainda assim os procuradores têm corrido atrás das dificuldades “porque ser magistrado é ser primo entre pares” para “tornar o país, efetivamente um país que toda a gente almeja viver e estar”.

O Procurador-Geral da República defendeu a necessidade de se “capacitar os órgãos de Polícia Criminal com instrumentos modernos de combate à criminalidade” porque senão toda a instrução que é feita pelo Ministério Público será rudimentar, sem o trabalho da Polícia.

Referindo-se ainda à PJ, criticou que “neste momento, combater a corrupção não é pegar uma carinha branca, com chapa matrícula do Estado, uma [arma] kalashnikov, pegar uma pessoa dar duas chapadas. Não se combate assim a corrupção”.

Kelve Nobre de Carvalho, referiu que a Procuradoria-geral da República que é a “única instituição que tenta fazer alguma coisa de uma forma constante” no combate à corrupção no país, tem sido vítima constante de ataques na tentativa de “minar, descredibilizar até os próprios investigadores que tentam combater a corrupção”.

Eu tenho dúvidas, eu tenho muitas dúvidas de que isso seja combater a corrupção”, disse.

Alertou ainda que São Tomé e Príncipe tem uma legislação que tira a capacidade ao Ministério Público de investigar os juízes, acima de tudo, no caso do Supremo Tribunal de Justiça, que os beneficia e “caso eles se retratarem (os corruptores), até dá a possibilidade dos juízes aplicar dispensa de pena, ou seja, dificilmente irão para cadeia” com a legislação penal em vigor no país.

Enquanto isso Kelve Nobre de Carvalho assegurou que o Ministério Público tem procurado dar exemplo no combate à corrupção e até pune os seus.

“Nós temos um procurador e três funcionários acusados por criminalidade económica e financeira […] fizemos o nosso trabalho precisamente de arrumar a casa, sancionar e empregar algum espírito de ética para que possamos garantir essa integridade de forma a perseguir os outros”, explicou o Procurador-Geral da República.

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