Bom Jesus diz que relatório da PJ são-tomense e portuguesa parece “misterioso” e “uma encomenda”

“Foi uma falha tremenda das investigações deixarem o meu nome, ainda que de forma (…) ligeira, para que uns e outros aproveitem para me difamar. Eu não tenho nada a ver, não tive conhecimento nenhum de que estava na força algum golpe de Estado, que eu não acredito”, disse Jorge Bom Jesus.

País -
Jorge Bom Jesus - Antóno Costa

O ex-primeiro-ministro são-tomense Jorge Bom Jesus afirmou hoje que o relatório elaborado por elementos da Polícia Judiciária (PJ) são-tomense e portuguesa sobre o assalto ao quartel, ocorrido em 25 de novembro, parece “inconsistente, misterioso e uma encomenda”, com uma “falha tremenda” ao incluir o seu nome.

“Precisamente a participação desses técnicos portugueses de alguma forma entristece-me pela inconsistência desse primeiro relatório […] tantos depoimentos, poucos factos e uma conclusão de que o Arlécio, o morto, é que é culpado? Num país tão pequenino nós não precisávamos de 90 dias [para concluir as investigações]”, afirmou Jorge Bom Jesus.

Com base num relatório da PJ, o Ministério Público são-tomense acusou na quinta-feira 10 arguidos, nove militares e um civil, pela prática, em coautoria e concurso efetivo, de um crime de alteração violenta do Estado de Direito, sete crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, um crime de sequestro agravado e um crime de detenção de arma proibida, no caso do ataque ao quartel-general.

O relatório da PJ concluiu que o “plano de tomada do poder: o golpe de Estado” consistia “em primeiro lugar, na tomada de assalto do Quartel do Morro, e, nas suas etapas subsequentes, na detenção e consequente destituição do Presidente da República”, Carlos Vila Nova, do ministro da Defesa, Jorge Amado, e do então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Olinto Paquete.

A PJ descreve as várias etapas do plano, que culminou na madrugada de 25 de novembro, quando quatro homens atacaram o quartel das Forças Armadas, na capital são-tomense, com ajuda de alguns militares que os aguardavam no interior do quartel. O oficial de dia foi feito refém e ficou ferido com gravidade devido a agressões.

Três dos quatro atacantes detidos pelos militares, e Arlécio Costa, um antigo combatente do batalhão “Búfalo” da África do Sul – detido posteriormente, em casa -, morreram horas depois no quartel.

“Eu tenho muitas reservas relativamente a este relatório [que] classifica isso de golpe quando menos de meia dezena de cidadãos inocentes, impreparados, de chinelo, foram assaltar o quartel. Então eu não sei o que é golpe de Estado, eu acho que a definição de golpe de Estado tem que ser revista”, comentou o antigo chefe do Governo são-tomense (2018-2022).

De acordo com o relatório da PJ, que contou com o auxílio da congénere portuguesa, um militar teve conhecimento do plano para o ataque e informou o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Olinto Paquete, que por sua vez deu a conhecer os factos ao então secretário da Segurança Interna, João Alvim.

A PJ refere que João Alvim transmitiu a informação ao então primeiro-ministro, Jorge Bom Jesus, bem como ao então diretor do Serviço de Informação do Estado, Amílcar Godinho, “de forma a que pudesse encetar ‘démarches’ atinentes à sua análise e avaliação de risco, [o] que, por sinal, resultaria desvalorizado”.

“Algo tão relevante, a PJ e com a participação desses técnicos portugueses, e é isto que ainda continua a minha dúvida, colocam lá o meu nome, [e] não me chamam para dar pelo menos uma palavra? Como é possível? Nem a Polícia Judiciária, nem [a Procuradoria-Geral da República]. Nenhuma vez fui chamado para esclarecer alguma coisa, como estou a esclarecer aqui. Isso parece muito misterioso, parece quase uma encomenda”, considerou Jorge Bom Jesus.

“Foi uma falha tremenda das investigações deixarem o meu nome, ainda que de forma (…) ligeira, para que uns e outros aproveitem para me difamar. Eu não tenho nada a ver, não tive conhecimento nenhum de que estava na força algum golpe de Estado, que eu não acredito”, acrescentou.

Para Bom Jesus, “essa história está muito mal contada”.

“É por isso que desde já eu predisponho-me a colaborar com a justiça, sobretudo a Procuradoria-Geral da República, disponibilizo-me a ser ouvido acareado com as pessoas que eventualmente citaram o meu nome […] o meu nome não pode hoje estar a correr o mundo como alguém que sabia e não tomou medidas”, disse Jorge Bom Jesus.

O Ministério Público considerou que Arlécio Costa engendrou o ataque ao quartel para procurar reaver a posse de uns terrenos valiosos na Praia das Conchas, norte da ilha de São Tomé, concessionados pelo Estado em 2021 a Delfim Neves, e que passaram para a propriedade de um grupo de investidores estrangeiros, através da cessão de 100% das quotas da empresa CNN, do ex-presidente do parlamento.

O relatório da PJ descreve a alienação da CNN como um “negócio de contornos, no mínimo, pouco claros” que proporcionou ao então presidente do parlamento são-tomense “célere, e extraordinário, encaixe financeiro” de 1.337.500 euros, tendo realizadas transferências bancárias no valor de 577.500 euros para uma conta em Portugal cotitulada por Delfim Neves, e 810.000 euros para outra conta na China, cotitulada por pessoa coletiva com designação comercial GZH Aluminium MFA CO LTD.

Jorge Bom Jesus disse hoje que a concessão foi realizada à CNN “no quadro de uma estratégia de atração do investimento estrangeiro” promovida pelo seu Governo para “facilitar investimentos de entidades” e “empresários estrangeiros”.

“Naturalmente que enquanto primeiro-ministro eu anuí para atrair investimento, criar emprego, [porque] o setor privado ajuda a alavancar a economia”, sublinhou Bom Jesus.

O ex-primeiro-ministro disse que “todo o dossiê desse projeto turístico” encontra-se no Ministério das Infraestruturas e foi orientado pelos técnicos, bem como pela Agência de Promoção do Comércio e Investimento (APCI), sendo que “para a atribuição do título foi depositado no Banco Central 60 mil euros”.

No sábado, o ex-presidente do parlamento, Delfim Neves disse à Lusa que “em momento algum houve qualquer negócio de venda do terreno”, sublinhando que “há um título de posse provisório [sobre os terrenos]” e que “o terreno do Estado em São Tomé e Príncipe não é comercializável”.

Ao ceder a totalidade das quotas da CNN aos investidores estrangeiros, estes “recebem os ativos e passivos” da empresa, incluindo a posse dos terrenos, acrescentou Delfim Neves à Lusa.

“Estou à vontadíssima. Agora, se estão a querer aproveitar esta narrativa para perseguir Delfim ou associar o Arlécio, é inverso, não tem nada a ver”, comentou.

Últimas

Topo