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Orgulho da Nação São-Tomense, Procura-se!

Pergunta de partida: Até que ponto faz sentido falar numa nação são-tomense?

 

Introdução

Antes de iniciarmos a nossa discussão, pensamos ser importante uma contextualização do  conceito da Nação para uma melhor perceção deste artigo onde começávamos por dizer que Nação é o grupo de pessoas falando o mesmo idioma, partilhando os mesmos valores e costumes e são considerados normalmente como grupos étnicos partilhando mesma religião bem como o mesmo sentimento nacional – que é proveniente do latim natione – que quer dizer “nascimento, raça, espécie, tipo, tribo…” (José Pedro Machado). Marx weber entende a Nação “como uma comunidade de sentimentos”. (Lara, De Sousa António, 2011: 247).

Para Mazzini “uma nação é uma associação de todos os homens que, agrupados quer pela linguagem, quer pelo papel que lhes foi conferido pela história, quer por certas condições geográficas, reconhecem um mesmo princípio e caminha, sob um império de um direito unificado, à conquista de um único objetivo definido” (apoud De Sousa Lara, António, 2011: 248). A argumentação clássica associa o surgimento da Nação ao fenómeno associado ao fim da centralização do poder do Estado, do rei, na Idade Média.

O professor Marcelo Caetano afirma que a nação tem como base uma “comunidade cultural”. No entanto, Adam Smith (1776) na sua obra Riqueza entre as Nações, utiliza o termo nação para se referir a organização política, ou seja, o Estado.

Nas revoluções americana e francesa o termo nação é usado para classificar a união do povo, alegando que o poder já não pertencia ao monárquico, mas sim ao povo – é nesta onda que surge o Estado-nação. Os ideais nacionalistas aqui proclamados são completamente diferentes daqueles que foram proclamados pelos países africanos aquando das suas lutas para a libertação nacional dos colonizadores.

Nação São-Tomense?

São Tomé e Príncipe, um país insular, situado no Golfo da Guiné na Costa do Gabão, foi descoberto em 1470 (Ilha de S.Tomé) e 1471 (Ilha do Príncipe e as outras) pelos historiadores portugueses João de Santarém e Pêro Escobar.

Em 1485 João de Paiva fez a sua primeira tentativa para o povoamento da ilha de S.Tomé, sem efeito. Desta forma, primeiro povoamento dá-se com Álvaro da Caminha, 1493, ao enviar por ordem do rei D.João II mais de 2000 crianças judias que teriam sidos tirados (à força) dos seus pais, expulsos da Espanha  para Portugal, os degredados portugueses  mais tarde por escravos trazidos de várias partes do mundo (Nigéria, Angola, Brasil, Moçambique, Cabo-Verde e muitos outros). Mediante esta descrição pode-se ver até o mosaico que é a sociedade santomense – que alguns consideram uma sociedade de coexistência entre vários povos, com várias origens, vários costumes, várias crenças, vários hábitos, várias formas de lidar com a natureza. É essa junção de povos que faz surgir o “povo são-tomense”.

É um país relativamente calmo, sem grandes reviravoltas, no entanto, tem se deparado com grande dificuldade no que diz respeito a definição da sua identidade e valores, o que tem refletido de forma negativa no processo de construção da Nação.

Para além da crise de identidade, o país tem conhecido sucessivas crises económicas (como diria a minha avó, “S.Tomé e Príncipe não está em crise, mas sim vive em crise”). Vários são os desafios colocados ao processo da construção da Nação são-tomense.

Em boa verdade, igualmente àquilo que acontece em muitas paragens africanas, o Estado é que tem trabalhado nesse processo, ou seja, a nação tem sido uma construção de cima para baixo, apesar de todos os problemas que este enfrenta: a crise do Estado soberano fruto da profunda crise económica, cultural e social a que o país vem atravessando.

A construção da Nação São-tomense?

O processo da construção da Nação são-tomense durante o período pós-independência, tal como acontece nos outros países da África lusófona, passa pelo processo de construção do “Homem Novo”.

Embora, aparentemente pareça uma tarefa fácil, a construção da “Nação São-tomense”, pelo facto de o país ser pequeno sem grandes conflitos entre os três grandes grupos sociais que constituem a sociedade santomense – o “forro”, o “moncó” e o “angolar”, levanta aqui uma pergunta que não se quer calar: Será que na constituição destes grupos podemos dizer que estamos perante grupos étnicos, uma vez cada um deles tem uma língua que os identifica?

Paulo Valverde na sua dissertação de Mestrado, “Máscara, Mato e Morte em São Tomé e Príncipe classifica ao longo do seu trabalho os angolares como um grupo étnico. No entanto, na obra Camaradas, Clientes e Compadres: Colonialismo, Socialismo e Democratização em São Tomé e Príncipe, Gerard Seibert classifica os angolares com sendo um grupo sociocultural e não étnico.

Na definição de weber, grupos étnicos “são grupos humanos que têm uma mesma crença subjetiva na sua descendência comum devido a semelhanças de tipo físico, costumes ou ambos, ou ainda devido às memórias de colonização e migração” (Weber, 1978:289), logo, podemos afirmar que em São Tomé e Príncipe os grupos étnicos não fazem parte da nossa realidade, apesar de cada um deles possuir a sua própria língua que no caso dos “forros” é o crioulo forro, no caso dos angolares é o “angolar” ou “anguené” e no caso dos “moncós” o “linguiyé”, não se enquadram na categoria de etnia de Weber.

Desafios colocados ao processo de construção da Nação são-tomense

Como já foi anteriormente referido, partindo da definição de etnia de Marx Weber, a divisão étnica não faz parte da realidade são-tomense. No entanto, muitos são os desafios que são colocados ao processo da construção da nação. Um deles é o fraco desenvolvimento económico do país – que se encontra totalmente dependente das ajudas externa.

A corrupção e o clientelismo como fruto deste fraco desenvolvimento do país também constituem um entrave ao processo de construção da nação. Isto porque, faz divisão da população entre os grupos socioculturais havendo sempre uma luta pelo poder originando assim uma instabilidade política, pois o acesso ao poder é sinónimo de acesso às riquezas do país.

Como justificação do fraco desenvolvimento do país muitos africanos e africanistas que apontam como a maior causa facto do país ter passado longos anos de baixo do domínio colonial, colocando-se “incondicionalmente numa posição tanto política como ideologicamente comprometida, e por isso tão afastada do paradigma científico, acabando por aceitar, endossar e justificar toda a panóplia de excessos governativos, como nunca fora visto no tempo colonial, desde políticas económicas e sociais executadas por elites incompetentes e implacáveis, que levaram rapidamente as populações à miséria, até campos de concentração e reeducação, assassinatos frios e planeados de opositores políticos e fuzilamentos de chefes tradicionais acusados de “tribalismo”(Borges, Graça Pedro, Anticolonialismo Africano, pag.7).

A crise de identidade nacional também constitui um dos entraves ao processo. No que concerne a esta questão, o historiador santomense, Albertino Bragança afirma que há uma necessidade de assumirmos a nossa identidade aceitando as nossas raízes. Ele acrescenta o seguinte: “Estamos, pois, perante uma sociedade profundamente heterogénea, constituída por povos das mais diversas proveniências e origens e, por isso marcada, desde as suas origens, por duas grandes características: a diversidade e a conflitualidade, que fizeram sempre do arquipélago um verdadeiro caldeirão de instabilidade política e social.” (Bragança, Albertino. 2012), falando-nos ainda da importância na aceitação das mudanças trazidas pela globalização, ou seja, para a relação que hoje em dia se realiza a partir de outros prismas. Isto é, para que o povo possa guardar as suas raízes, as suas tradições e, no entanto, ter em consideração as mudanças ocorridas ao longo dos tempos de forma a não ser uma sociedade “atrasada”.

Entra aqui em jogo também a conjugação entre a aceitação daquilo que foi deixado pela colonização e o que é considerado a herança africana aquilo que o professor Pedro Borges Graça classifica como “ambivalência cultural” (Construção da Nação em África: 133).

A Nação, no contexto são-tomense, é uma construção política, e no período pós-independência (como aconteceu noutros países da África lusófona) a ideia de nação foi construída com base no anticolonialismo, negando tudo quanto fazia lembrar a opressão pela qual o povo são-tomense passara, no entanto, hoje deve ser construída com base na valorização da nossa cultura e valores.

Os jovens e a Nação

Devido a constantes escândalos políticos e o fraco desenvolvimento do país, muitos jovens não se têm identificado como o membro da Nação são-tomense, ou seja, têm mostrado um certo “desprezo” pela nossa Nação.

Facilmente, encontramos nas ruas jovens que dizem estar insatisfeitos com a realidade do país, por muitas vezes sentirem que não têm lugar na nossa sociedade. Cabe, desta forma, ao Estado criar estratégias de forma a integra-los nesse processo de construção bem como estratégias que fomentem os sentimentos de pertença.

Por outro lado, cabe-nos a nós, enquanto jovens, sermos capazes de assumir uma maior responsabilidade enquanto cidadãos de hoje e aqueles de quem mais depende o futuro próximo. “Urge, pois, vencermos sentimentos negativos, o situacionismo, os estados quase decadentes, como a apatia ou a voluntária indiferença.

Urge combatermos e vencermos a “depressão”, o pessimismo e o desânimo que facilmente se instalam, quando se vivem momentos de fragilidade e se sente insegurança relativamente ao futuro. É preciso agirmos e intervirmos, agitarmos as consciências e apelarmos às responsabilidades, transformarmos a resignação em ação” (Bettencourt, 2015).

Lembro-me de, em tempos, ter feito uma publicação no meu perfil do Facebook onde intitulei de “orgulho são-tomense procura-se”, onde pude aperceber-me da revolta de muitos jovens que dizem não ter razão para sentirem-se orgulhosos de uma nação que nada faz por eles – usando a nação para classificar o Estado. Este pensamento leva-me a recorrer a antiga, e ao mesmo tempo atual, declaração do ex-presidente norte-americano John Kennedy “Não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti. Pergunta o que tu podes fazer por ela.”

Está na hora de nos perguntarmos: o que podemos fazer para mudar o rumo das coisas? Muitas vezes parece impossível, no entanto, só parece porque no dia que agirmos veremos que afinal não era assim tão difícil e ainda que não tenhamos o resultado esperado saberemos que pelo menos tentámos fazer a nossa parte.

Comemoramos o dia do Rei Amador, lembramo-nos da nossa grande poetisa Alda do Espírito Santo. Falamos com orgulho e admiração dos nossos irmãos africanos do Nelson Mandela, Kwame Nkrumah, Leopold Senghor, Amílcar Cabral, e muitos outros. É bom que nos sirvam de referência, no entanto, estamos no hoje, estamos no nosso tempo de agir para, quem sabe futuramente, podermos servir de inspiração à próxima geração.

É certo que, muitas vezes, perdemos a esperança, no entanto, juventude é isso. Juventude é esperança, é lutar, é acreditar. É saber transformar essa “resignação em ação”. Por fim, nada melhor do que terminar com o famoso pensamento que todos conhecemos de Mahatma Gandi: “Seja a mudança que desejas ver no mundo”. Se queremos ver um STP melhor devemos começar por mudar as nossas atitudes ou até mesmo a maneira de pensar.

Conclusão

A Nação em S.Tomé e Príncipe é um projeto em que depende do trabalho de todos os são-tomenses, por isso, (re)colocamos a questão uma vez feita pelo Doutor Albertino Bragança na palestra sobre Identidade Nacional e “São-tomensidade”: “Será que é entendido pela elite política são-tomense que a indiferença por ela manifestada para com a sua Cultura poderá estar a contribuir para dificultar a formação da Nação, força aglutinadora e catalisadora de qualquer Estado?” No momento em que muitos países (por exemplo Angola e Moçambique) têm apostado numa cultura única para atingirem os seus objetivos (construção da nação), S.Tomé e Príncipe tem-no feito de forma mais lenta.

É nesta linha de pensamento que respondemos a nossa pergunta de partida: Até que ponto faz sentido falar numa nação são-tomense? –  dizendo que, para que haja efetivamente uma nação santomense é necessário que o país ultrapasse os problemas de desenvolvimento que tem afetado a sociedade e, por conseguinte, afetado o sentimento de pertença dos nossos jovens- que por sua vez têm que assumir um papel mais interventivo na sociedade. É imperativo que os nossos traços e valores sejam interpretados com orgulho pelo próprio povo que já anda desacreditado. Por isso, pode-se dizer que a condição económica do país constitui um grande obstáculo ao desenvolvimento do sentimento de pertença do povo à Nação São-tomense.

Bibliografia

Bettencourt, José Miguel, Jovens e a Política, Chiado Editora, 2015, Lisboa

Espírito Santo, Armindo Ceita de, Economia de S.Tomé e Príncipe: entre o regime do partido único e o multipartidarismo, Fernando Mão de Ferro, 2008, Lisboa

Graças, Pedro Borges, A Construção da Nação em África Moderna, Edições Almedina, 2005, Coimbra

Gromiko, Anatóli, África: Pregresso, Dificuldades e Perspectivas (tradução em Português), , Edições Progresso, 1983, Moscovo

Seibert, Gerhard, Camaradas, Clientes e Compadres. Vega Editora, 2001, Lisboa

Valverde, Paulo, Máscara. Mato e Morte em São Tomé e Príncipe. Celta Editora, 2000, Oeiras

Webgrafia

http://www.didinho.org/IDENTIDADECULTURALENTREOSEREOSENTIR.htm acedida em 2 de Janeiro de 2017

http://www.telanon.info/cultura/2012/01/20/9557/%E2%80%9Cidentidade-cultural-e-santomensidade%E2%80%9D/, acedida em 2 de Janeiro de 2017

https://www.facebook.com/educacao.stp?fref=ts, acedida em 2 de Janeiro de 2017

Dalila Pereira Agostinho das Neves

2º ano de Mestrado em Estudos Africanos

 

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