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Um grito de revolta e esperança, carta aberta que continua válida.

Grito

Carta aberta escrita em 2015 pela Dra. Halane Costa Batista Tiny

Exma. Senhora Ministra da Saúde e Exmo.(s) Senhores Governantes de São Tomé e Príncipe,

É com muito pesar e indignação que dirijo estas palavras às vossas Excelências. Sou santomense, de raiz, filha de pais santomenses, neta de avós santomenses. Nasci e cresci em São Tomé, tendo vivido no país até a minha adolescência. Naturalmente sai do país pela necessidade de uma formação superior, pois naquela altura não havia sequer outra alternativa. Formei-me médica, e no coração, permanecia o desejo ardente de regressar à minha terra natal, para dar o melhor de mim, ajudar a melhorar algo. Em 2011, ainda no início da minha actividade profissional, tive o desprazer de ser confrontada com a realidade de São Tomé.

O hospital que em 1998, ainda funcionava com alguma qualidade e dignidade, passou a funcionar no desenrasca, por falta de tudo o que é imprescindível.

Exmo.(s) Governantes, por mais que eu tente entender, não consigo, pois continuo a questionar como é possível que em tantos anos, pouco tenha evoluído no nosso país??? O hospital não passa de paredes que escondem histórias… Ai se elas falassem… seriam certamente, testemunhas de mortes “dolosas”, de angústia dos profissionais e familiares, do desespero de estrangeiros que tentam dar o seu melhor em troco de nada e da indiscutível frustração dos recém licenciados que a cada dia regridem em conhecimento ao invés de progredirem diante dos desafios.

É inadmissível não haver oxigénio no hospital, não haver reagentes para análises, não haver medicamentos, não haver sistema de canalização endovenosa, não haver certos meios complementares de diagnóstico. É inimaginável duas puérperas e dois recém nascidos partilharem a mesma cama, 4 seres humanos, completamente desprovidos de direitos humanos, estendidos num mesmo leito. É inconcebível não haver água, luz, etc., no hospital.

Eu considero fundamental para a edificação dos pilares de um país, o saneamento básico, a saúde e a educação. Não concordam comigo? Talvez não, pois se os vossos filhos precisarem de formação superior vocês fa-los-ão sair do país, pois é chique. O problema do saneamento básico não vos afecta, afinal têm todo um sistema organizado em vossas moradias luxuosas e as vossas piscinas transbordam de água limpa. Se precisarem de tratar da vossa saúde ou de os demais da vossa família, entram num avião e chegam onde vos for mais oportuno.

Meus caros governantes, tenho que vos reavivar a memória em relação à realidade. A educação dos vossos filhos até poderão resolver facilmente, as vossas piscinas poderão jorrar água limpa, poderão até ter um manancial sair de vossas torneiras, poderão simplesmente não circular em meio à praça fétida, poderão não ter contacto com os amontoados de lixo por toda a cidade e águas sujas paradas naquilo que chamam de mercado municipal, sujeitando-vos a apanhar doenças infecciosas, pois vossos empregados o farão por vós. Mas de uma coisa podem ter certeza, nem sempre poderão entrar no avião diante de problemas de saúde. E sabem porquê? Porque um Acidente Vascular Cerebral (AVC), um Enfarte fulminante, etc., não esperam que vocês entrem num avião. Um AVC necessita de realizar uma Tomografia Axial Computadorizada (TAC) para o diagnóstico. Ups, não existe o mais básico em São Tomé e Príncipe, que dirá de uma TAC?

Pergunto-me onde está o cartão de visita do nosso país? Será a praça de táxis fétida, a Baía de Ana Chaves esburacada, vendedores ambulantes a perder de vista, as paredes que não encontram limite com o chão de tão sujas, o lixo por toda a cidade, a esquizofrenia desorganizada das motos táxis que amputam e ceifam vidas???

Onde estão os delegados de saúde, onde estão os diretos humanos, qual é a função das Nações Unidas neste país?

É triste, mas não consigo encontrar palavras mais suaves para classificar tanta ignomínia num país só.

Exma. Senhora Ministra da Saúde e Exmo.(s) Senhores Governantes de São Tomé e Príncipe, espero que estas palavras vos façam reflectir, mas que reflictam profundamente. Se algo posso fazer pelo meu país, que esta carta seja o pontapé de saída.

 

Assinado,

Halane Costa Batista Tiny
Ano    2015

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