O primeiro Índice de Corrupção e Governação em São Tomé e Príncipe indica que a corrupção e o “suborno” são vistos como “prática comum” num país onde o poder político tem influência na administração pública, nos Tribunais, no Ministério Público, Assembleia Nacional e no grande comércio.
O documento refere-se ao ano 2021 e foi realizado pela Rede da Sociedade Civil pela Boa Governação em colaboração com a Federação das Organizações Não-Governamentais de São Tomé e Príncipe (FONG-STP) e a Associação para a Cooperação entre os Povos (ACEP) para “medir os avanços e retrocessos nos esforços de combate à corrupção e de promoção da boa governação no país”.
Segundo o relatório, sob o ponto de vista quantitativo o Índice de Corrupção e Governação foi de 39,8%.
Na avaliação qualitativa o documento realça que São Tomé e Príncipe possui um quadro de leis, nomeadamente a Constituição da República, o código penal e outros instrumentos internacionais relevantes para o combate à corrupção, e “instituições formais para uma governação democrática e transparente”, como a Assembleia Nacional (parlamento), Tribunal de Contas (TC) e a Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Embora se reconheça a existência deste quadro legal e institucional, a ausência de políticas públicas de prevenção e combate à corrupção faz com que o tema de corrupção seja apenas uma matéria legal, de especialistas, sem engajamento público dos cidadãos”, lê-se no documento.
O relatório indica que os entrevistados consideram que o baixo nível de separação de poderes e de independência do sistema de administração da justiça, das assembleias (nacional e distritais) e o elevado nível de controlo político e da politização/partidarização das instituições estão dentre as causas que explicam “os elevados índices de corrupção e a impunidade” no país.
Consideram também que há “disposições legais que protegem os altos dirigentes do Estado para não responderem pelas suas práticas criminais” e elas também são usadas ou vistas pelos cidadãos como “forma de proteção especial a uma classe considerada das mais corrupta do país, os políticos”.
“Mesmo sem os dados estatísticos sobre os casos investigados pela PGR e dos julgados pelos tribunais sobre a corrupção, existe uma sensação generalizada de que nada tem sido feito por estas instituições, não se sabendo de casos julgados envolvendo altos funcionários do Estado, contra um contexto em que, diariamente, são divulgadas informações sobre suspeitas de corrupção na administração dos bens do Estado”, lê-se no ICG-STP 2021.
Há “elevados níveis de controlo político, assim como de censura, sobretudo de controlo das instituições de exercício das liberdades de expressão e de imprensa” que, associados ao baixo nível de intervenção de organizações da sociedade civil, fazem com que “as ações de “watchdog”(monitoria e denúncia) contra os crimes de corrupção seja ainda incipiente” no país.
Segundo o relatório existe “um sentimento generalizado” de que, mesmo que o Tribunal de Contas realize as auditorias de conta e faça a publicitação dos relatórios, “as suas recomendações são de fraco cumprimento”, existindo “uma forte influência dos partidos políticos e dos governos” sobre o trabalho realizado pela instituição, bem como a “falta de seguimento sob ponto de vista de investigação criminal” pela Procuradoria Geral da República.
A Assembleia Nacional e distritais, são bem avaliadas no seu papel de aprovação dos orçamentos, mas a sua ação fiscalizadora “tem sido quase nula, o que não permite avaliar a efetividade da aplicação dos orçamentos para a resolução dos problemas do povo, assim como os níveis de transparência na sua utilização”.
Considera-se a existência de “muita politização e relações de promiscuidade entre os diversos poderes do Estado, em dependência dos partidos que estão no poder executivo”.
“As relações de compadrio, o tráfico de influências e a falta de profissionalismo são, inclusivamente algumas das causas mencionadas para as limitações do papel das instituições da justiça e parlamentares para a fiscalização do trabalho do governo”, lê-se no documento.
No ICG-STP são apontadas várias carências da Procuradoria-Geral da República, nomeadamente a falta de uma unidade especializada independente dotada de orçamento e pessoal próprio para realizar a investigação e acusação dos crimes de corrupção e poucos recursos humanos e materiais.
“Mantém-se a ideia de que a grande corrupção ainda escapa nos processos de investigação” realizados pela PGR e que “os poucos realizados não chegam a serem acusados, pela falta de provas ou mesmo deficiências na instrução” e “há quem entenda que a inércia da Procuradoria faz parte de uma estratégia de um meio politizado em que os próprios procuradores se encontram inseridos”.
Existe também a perceção de que no acesso à cargos na administração “cidadãos com competências são relegados à favor dos que possuem ligações partidárias”, o que faz com que a prestação dos serviços públicos seja deficiente e se estimule a corrupção e a impunidade.
Comparando o índice da corrupção em relação aos dois anos anteriores o documento dá conta que “existe uma perceção generalizada que a situação tende a ser a mesma” por tratar-se do mesmo governo em exercício, pois “os cidadãos continuam a ouvir relatos, ano pós ano, de situações de desvios de fundo, falta de transparência na atribuição de licenças para a exploração de recursos, inclusivamente, no acesso aos cargos públicos”.
Por outro lado, a corrupção “é vista como uma prática comum” em São Tomé e Príncipe e as pessoas compreendem que, em algumas situações, “não seria possível ter um serviço público de qualidade, célere sem que haja subornos” e corrupção que, em muitas situações, “tem sido da iniciativa dos próprios cidadãos”.
Há também “uma forte convicção” de que a prática de atividades empresariais e comerciais de grande dimensão “envolve práticas de corrupção”, considerando a natureza do empresariado nacional que “tem uma base de relações políticas muito fortes” e os próprios partidos políticos que têm “influência na prática de negócios, quando ascendem ao poder”.
A sociedade civil (academia, igrejas, media e organizações cívicas)é vista como espaço “descomprometido” sob o qual os cidadãos podem recorrer para apresentar os seus problemas e discutir os problemas da sociedade, incluindo a corrupção, mas há quem entenda que “não escapam à politização de que faz parte o funcionamento da sociedade”.
Os jornalistas, em particular, “são mais referenciados como sendo de baixo nível de confiança em relação a outras instituições cívicas, sobretudo pelo seu baixo nível de servirem como “guardiões” das causas dos cidadãos, sendo “controlados e ao serviço dos políticos” e o seu papel de “guardiões” na investigação e divulgação de casos de corrupção “não tem nenhum efeito”.
Segundo o relatório, há uma perspetiva de que a PGR e os tribunais penais “não têm sido ativos no combate contra a corrupção” o que em alguns casos são justificados pela falta de especialização de recursos humanos, mas também porque “essas instituições são controladas pelos que detêm o poder e as suas decisões sempre desfavorecem os pobres”.
“Embora se fale frequentemente de dirigentes suspeitos de envolvimento em atos de corrupção, poucas vezes, senão nunca se tem ouvido de julgamento ou de processos instruídos contra eles, sendo que “os dirigentes, ao mais alto nível, são protegidos e influenciam as decisões judiciárias”.
O indicie de Corrupção e Governação em São Tomé e Príncipe 2021 foi lançado durante um intercâmbio internacional sobre a governação e luta contra a corrupção, que reuniu durante dois dias, em São Tomé, jornalistas, investigadores e outros atores de diferentes países para partilha de experiência na promoção da boa governação e o combate a corrupção, no âmbito do projeto sociedade civil pela transparência e integridade, financiado pela União Europeia e pela Cooperação Portuguesa.
O documento resulta de entrevistas semiestruturadas com 100 individualidades de diversos grupos especializados, como professores universitários, pesquisadores da área da governação, advogados, procuradores, juízes, empresários, políticos, deputados, jornalistas, funcionários públicos, líderes de organizações da sociedade civil, entre outros.