O Governo central são-tomense repudiou “a interpretação com tiques manipuladores” do executivo do Príncipe sobre a privatização do porto regional, enquanto admitiu “a não participação direta” das autoridades regionais nas negociações e o “envio tardio” dos documentos.
“Expressar profunda estranheza e repudiar a interpretação com tiques manipuladores apresentada ao público fazendo uma ligação direta entre um ato isolado de um ministério com o estatuto da autonomia, um processo consolidado obtido através da vontade expressa pelas pessoas do Príncipe”, refere o Ministério das Infraestruturas e Recursos Naturais (MIRN), em comunicado de imprensa, datado de quarta-feira.
O documento assinando pelo diretor do gabinete do ministro das Infraestruturas, Gilson Leite sublinha a “gravidade e sensibilidade” do conteúdo do comunicado do governo regional do Príncipe, que contestou a concessão do porto de Santo António do Príncipe pelas autoridades de São Tomé ao consórcio Safebond, do Gana, por 30 anos, formalizada na passada sexta-feira, sublinhando desconhecer o acordo que “viola de forma grosseira o estatuto político” da Região Autónoma do Príncipe (RAP).
Na terça-feira, o governo regional referiu desconhecer “por completo o conteúdo, os compromissos de investimento, as garantias do contrato de concessão, tendo em conta as especificidades da ilha do Príncipe”, e que não foi convidado “em nenhum momento para participar no processo de negociação para se pronunciar sobre a salvaguarda dos superiores interesses da região e da população do Príncipe”.
O acordo assinado em agosto com a Safebond inclui a construção do porto de águas profundas em Fernão Dias, a modernização e gestão do porto de Ana Chaves, na capital são-tomense, e o porto de Santo António, na ilha do Príncipe, tendo a concessão sido formalizada na sexta-feira passada.
“Lamentar e contrariar a informação de que os membros do governo regional do Príncipe nunca foram tidos nem achados neste processo de concessão dos portos. Durante vários encontros formais e informais, no MIRN ou na RAP, inclusive as reuniões conjuntas presididas pelo chefe do governo em São Tomé e no Príncipe, o ministro do setor foi várias vezes chamado a passar revista sobre vários projetos e propostas de projetos onde o Príncipe está inserido, pelo que este dossiê não seria exceção. A ideia sobre a inclusão do Porto do Príncipe, bem como as razões subjacentes à mesma, esteve presente nestes encontros”, lê-se no comunicado do ministério chefiado por Osvaldo Abreu.
O ministério divulgou um primeiro comunicado, que corrigiu posteriormente, eliminando um excerto em que admitia “nunca ter havido uma nota formal” ao governo regional do Príncipe “sobre a inclusão do porto do Príncipe no processo de concessão”.
Na nota, o MIRN sublinha “a sensibilidade política” da concessão dos portos e justifica “o envio tardio de documentos, bem como a não participação direta do governo regional” no processo, justificando que o investidor não teve inicialmente interesse em assumir a gestão destas infraestruturas, na medida em que o plano de investimento apenas dizia respeito ao projeto do porto de águas profundas, em Fernão Dias, na ilha de São Tomé, inicialmente avaliados em 450 milhões de dólares.
“Não sendo os portos existentes do interesse inicial para o investidor, todo o trabalho prévio não podia fazer referência nem a Ana Chaves e muito menos ao Príncipe. O porto do Príncipe chegou a ser mesmo descartado inicialmente pela falta de interesse comercial”, sublinha o comunicado.
O Governo cita um estudo desenvolvido pela União Europeia em 2012, segundo o qual “o porto de Santo António do Príncipe já não constitui uma opção para o desenvolvimento das operações portuárias na RAP”, e na altura identificou-se a região de Ponta Mina no Príncipe “como o sítio mais adequado para a construção e desenvolvimento do novo porto”.
Segundo o MIRN, o estudo apontou duas razões para descartar o potencial do porto de Santo António, nomeadamente “a profundidade/calado da baía e ausência de área de expansão para o desenvolvimento de uma infraestrutura portuária digna deste nome”.
Por outro lado, o ministério reconhece “que a autonomia dá ao Governo Regional do Príncipe todo o poder de propriedade sobre as infraestruturas na Região Autónoma do Príncipe”, mas relembra que “as operações portuárias, aeroportuárias, energéticas” estão sob a tutela do Governo central através do Ministério das Infraestruturas, que tem feito “concertações constantes” com as autoridades regionais.
O MIRN refere ainda que com a conclusão do processo de concessão dos portos, o consórcio Safebond vai “discutir com as autoridades, tanto central como regional, outras intervenções” na RAP, nomeadamente “o apoio logístico, financeiro e de equipamentos para assegurar o transporte entre as ilhas, até então sem solução sustentável”; o “aumento da capacidade de estacagem de produtos petrolíferos” e ainda a “possível construção no Príncipe de um mecanismo/plataforma regional flutuante para o abastecimento de combustíveis para grandes navios em trânsito pelo golfo da Guiné”.
“Tendo já remetido os documentos solicitados oficialmente pelo governo regional do Príncipe, este ministério mantém-se aberto e disponível para responder a todas e quaisquer solicitações, e pronto para contribuir e de forma construtiva para o bem-estar e melhoria das condições de vida do povo da Região Autónoma e de São Tomé e Príncipe”, conclui o gabinete do Ministério das Infraestruturas.
Também a Ação Democrática Independente (ADI), que venceu as eleições legislativas são-tomenses com maioria absoluta em 25 de setembro, criticou o negócio, avisando que “não assumirá compromissos fraudulentos”.