O advogado da mãe de Arlécio Costa, morto em novembro no quartel militar são-tomense, apresentou queixa-crime e pediu prisão preventiva do vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas e do ajudante de campo do primeiro-ministro, pela morte de suspeitos no quartel das FASTP.
“Já introduzimos o primeiro processo criminal, logo na segunda-feira, contra os assassinos, os suspeitos que nós já temos identificados ou que se permite identificar. Processo esse que é autónomo, independente do processo que o Ministério Público diz estar a organizar ou ter estado a organizar e de que até agora que não vimos qualquer tipo de resultados”, disse à RSTP o advogado Carlos Semedo, que representa a mãe de Arlécio Costa e os familiares de mais três pessoas mortas, sob custódia militar, no quartel das Forças Armadas em 25 de novembro.
Carlos Semedo deslocou-se de Portugal para São Tomé com o apoio de uma campanha promovida nas redes sociais, na qual os organizadores dizem ter angariado cerca de 10 mil euros para assegurar a defesa das famílias das vítimas.
“Para já temos identificados desde o vice-chefe do Estado-Maior [Armindo Rodrigues] aos elementos subalternos, as patentes que lá estiveram – os capitães, os tenentes -, incluindo o ajudante de campo do primeiro-ministro [Wilker Viegas], porque a informação que temos é que o senhor esteve presente desde o início das operações e que assistiu efetivamente ao assassinato e, portanto, participou no assassinato”, sublinhou Carlos Semedo.
Na madrugada de 25 de novembro, quatro homens atacaram o quartel das Forças Armadas, na capital são-tomense, num assalto que as autoridades classificaram como tentativa de golpe de Estado. O oficial de dia fou feito refém e ficou ferido com gravidade devido a agressões.
Três dos quatro atacantes detidos pelos militares, e Arlécio Costa, um antigo combatente do batalhão Búfalo da África do Sul, morreram horas depois no quartel e imagens dos homens com marcas de agressão, ensanguentados e com as mãos amarradas atrás das costas, ainda com vida e também já na morgue, e com militares a agredi-los, foram amplamente divulgadas nas redes sociais.
Na queixa-crime apresentada na segunda-feira, o advogado disse que pediu “ao Ministério Público que promova a prisão preventiva” das pessoas identificadas nos vídeos gravados no interior do quartel militar.
“Mesmo as pessoas que estiveram presentes e que não deram pontapés, não deram pancadas, mas [são] pessoas que não prestaram assistência, que viram morrer um homem, um cidadão, um ser humano, essas pessoas são cúmplices do assassinato e são acusadas como autoras desse crime”, enfatizou Carlos Carlos Semedo.
A RSTP contactou o vice-chefe do Estado Maior das Forças Armadas e o ajudante de campo do primeiro-ministro, mas ambos recusaram prestar qualquer declarações.
O jurista disse que, enquanto advogado da família de Arlécio Costa, requereu a sua constituição como assistente no processo, para depois juntar mais provas ao processo, além daquelas que o Ministério Público terá recolhido nas suas investigações.
Por outro lado, adiantou que “em momento certo” serão apresentados os “pedidos de indemnização que terão que ser postos contra o Estado são-tomense por todas as famílias de todas as vítimas”.
Além de defender as famílias das quatro vítimas mortais, Carlos Semedo integrou-se também na equipa de advogados que trabalham na defesa do ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, que foi detido no dia do assalto ao quartel acusado de ser um dos mandantes do crime.
Na semana passada, o Ministério Público são-tomense garantiu que está a investigar com “autonomia e isenção” para apurar a verdade sobre “o assalto ao quartel” e a morte das quatro pessoas.
“Face à complexidade e à gravidade da situação, o Ministério Público, no cumprimento do seu estatuto de autonomia, objetividade e isenção, não deixará de utilizar todos os instrumentos legais que a lei lhe permite, aqui incluindo a cooperação internacional, nas suas diversas formas, e tudo fará para conseguir apurar a verdade dos factos ocorridos e a responsabilidade da autoria dos mesmos”, referiu o procurador-geral da República, Kelve Nobre de Carvalho, em resposta a uma carta aberta do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata (MLSTP-PSD, oposição).
O procurador-geral da República reafirmou as informações avançadas em dezembro, segundo as quais estão “em curso dois processos de instrução com a finalidade de investigar os acontecimentos relativos ao assalto ao quartel e outro com a finalidade de investigar as mortes ocorridas no interior das instalações militares”.
Kelve Nobre de Carvalho referiu que no âmbito destes dois processos “entre inquirições e interrogatórios foram já ouvidas um total de 45 pessoas”, sendo que seis arguidos estão em prisão preventiva no processo de investigação das mortes e nove no processo de investigação do assalto ao quartel.
“Nos termos da lei o prazo legal para terminar a instrução preparatória, quando existem arguidos presos preventivamente é de três meses”, sublinhou o procurador-geral da República.
Kelve Nobre de Carvalho referiu ainda que as investigações estão na “fase processual secreta”, mas “todo o processo e procedimento é sindicável no momento próprio previsto no Código do Processo Penal, sendo o acesso aos autos permitido a partir do momento da notificação do despacho final da acusação”.