O ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves “entendeu pedir a suspensão do seu mandato” de deputado por “30 dias” e “colocar-se à inteira disposição da justiça” para ser ouvido como testemunha no processo das mortes ocorridas no quartel, anunciou hoje um dos seus advogados, face a um pedido do Ministério Público, que considerou ilegal, para o levantamento de imunidade do deputado.
“O cidadão Delfim Neves, na qualidade de deputado, como exímio colaborador da justiça, entendeu pedir a suspensão do seu mandato à Assembleia Nacional por um período de 30 dias”, declarou hoje Pedro Sequeira de Carvalho, um dos três advogados do ex-presidente da AN (2018-2022), em declarações aos jornalistas junto às instalações do Ministério Público (MP) na capital são-tomense.
Delfim Neves que é agora deputado do movimento Basta informou o MP, através dos seus advogados, que se coloca “à inteira disposição da justiça, para ser ouvido enquanto testemunha de acordo com as exigências legais”, no âmbito do “processo n.º 768/2022, ou seja o caso dos homicídios que ocorreram no quartel” das Forças Armadas, no passado dia 25 de novembro.
Na semana passada o Ministério Público requereu o levantamento da imunidade parlamentar do deputado Delfim Neves para este seja ouvido na qualidade de testemunha no processo em investigação na Procuradoria-Geral da República.
“Este pedido é ilegal. Na história da nossa democracia e da nossa independência nunca vimos uma coisa destas. O MP (…) fez um requerimento à Assembleia Nacional sem fazer a referência a um artigo de qualquer lei que seja. (…) Não se pode fazer um pedido relativamente a qualquer assunto sem que [o mesmo] se refira a uma lei e a um artigo específico”, afirmou o advogado.
“Podemos dizer que não foi despropositado, [o MP] não referiu nenhum artigo simplesmente porque não existe na nossa lei nenhum artigo que pudesse fundamentar e justificar este pedido (…) de levantamento de imunidade de um deputado para ser ouvido enquanto testemunha”, esclareceu.
A RSTP apurou que o pedido do Ministério Público foi analisado pela primeira comissão da Assembleia Nacional, mas teve parecer negativo que deverá seguir para o plenário apenas para autorizar que Delfim Neves seja ouvido como declarante, sem suspender a imunidade parlamentar.
Os advogados entendem que com a suspensão de mandato como deputado, a Assembleia Nacional não precisa se reunir para deliberar sobre o assunto.
“O nosso objetivo é justamente esse. É que cada realização do plenário envolve somas avultadas de dinheiro para se poder [fazer votar] todos os deputados, inclusive os da diáspora. Com este expediente [suspensão da imunidade parlamentar], justamente, tendo em conta a situação precária do país, e do Estado em si, gostaríamos de evitar toda essa despesa. Por causa disso, o deputado Delfim Neves decidiu facilitar as coisas ao predispor-se a pedir a suspensão do seu mandato”, explicou o advogado Pedro Sequeira de Carvalho.
Não obstante, e caso o pedido do MP suba mesmo à votação do plenário da AN, previsto para o próximo dia 8, o advogado de Delfim Neves apelou para que “o bom senso tome conta” dos deputados e “que votem de acordo com a orientação do parecer” da comissão especializada.
O advogado considerou ainda “evidente” a questão de um jornalista, que lhe perguntou se o ex-presidente do parlamento são-tomense está a ser alvo de “um ataque direto”.
“E neste momento, nós cidadãos são-tomenses de bom senso e que amamos a nossa pátria devemos começar a pensar: ‘depois desse processo, o que será?’, disse.
“Neste processo está-se a beliscar, e de que maneira, as relações de todos os géneros e, para piorar, está-se a descredibilizar muito as nossas instituições”, acrescentou. “É o momento de começarmos a refletir, porque temos um país de que devemos cuidar”, disse.
Pedro Sequeira de Carvalho escusou-se a fazer “futurismo” sobre a atitude que o seu constituinte poderá vir a adotar, caso a sua situação jurídica “evolua” de testemunha para arguido, mas declarou “acreditar” que o Delfim Neves se manterá disponível para colaborar com a justiça.
“Com o direito não fazemos futurismo, todavia, pelo histórico do deputado Delfim Neves, sempre colaborou com a justiça. Se o fez no passado, está disponível para o fazer no presente e acreditamos que no futuro estará também”, disse o advogado.
Pedro Sequeira de Carvalho sublinhou que o facto d eDelfim Neves estar ausente do país “não impede a realização de nenhuma diligência enquanto testemunha”, sublinhando que “a própria lei prevê que as testemunhas possam ser ouvidas de diversas formas, inclusive, por videoconferência” e mesmo se for através dos advogados, avisados com antecedência, “ele está disponível para voltar para o país e ser ouvido atempadamente”.
Na noite de 24 para 25 de novembro, quatro homens atacaram o Quartel do Morro, na capital são-tomense, numa ação que a justiça disse ser a primeira etapa de um plano que visava a “subversão da ordem constitucional”. Três dos quatro atacantes detidos pelos militares morreram horas depois no quartel, após maus-tratos, caso que está a ser investigado pelo MP.
Após ter sido detido pelos militares na sua casa, na madrugada de 25 de novembro, Delfim Neves foi detido, e depois libertado, quatro dias depois, após audição em tribunal.
O MP são-tomense deduziu acusação sobre o ataque no passado dia 23 de fevereiro, acusando 10 arguidos – nove militares e um civil – pela prática, em coautoria e concurso efetivo, de um crime de alteração violenta do Estado de Direito, sete crimes de homicídio qualificado na forma tentada, um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, um crime de sequestro agravado e um crime de detenção de arma proibida, no caso do ataque ao quartel-general.
Em relação a Delfim Neves, que teria alegadamente sido identificado como financiador do ataque, o processo foi arquivado.