O MLSTP/PSD, maior partido da oposição são-tomense, exigiu hoje a demissão do ministro da Defesa e responsáveis das Forças Armadas, após a acusação do Ministério Público contra 23 militares pelas mortes de quatro homens no assalto ao quartel.
“O MLSTP/PSD insta o senhor Presidente da República a tomar uma posição firme sobre tudo o que se está a passar no país e tudo fazer para repor a normalidade constitucional e o normal funcionamento das instituições, a começar pela divulgação do relatório da CEEAC sobre os acontecimentos de 25 de novembro e a convocação urgente do Conselho de Estado, enquanto órgão político de consulta do Presidente da República”, lê-se no comunicado da comissão política do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social-Democrata, datado de terça-feira.
“Exigimos também que os senhores ministro da Defesa, o vice-chefe de Estado-Maior das FASTP [Forças Armadas de São Tomé e Príncipe] e o comandante do exército sejam demitidos de imediato das suas funções em defesa da imagem e credibilidade do Estado São-tomense”, acrescenta o comunicado, lido pelo seu vice-presidente, Gabdulo Quaresma.
Na sexta-feira, o Ministério Público são-tomense acusou 23 militares, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Olinto Paquete e o atual vice-chefe do Estado-Maior, pela tortura e morte de quatro homens no assalto ao quartel das Forças Armadas em novembro.
De acordo com o despacho de instrução preparatória do Ministério Público (MP) de São Tomé e Príncipe, a que a Lusa teve acesso, Olinto Paquete – que pediu demissão do cargo de chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dois dias depois do ataque, ocorrido em 25 de novembro de 2022 -, o vice-chefe do Estado-Maior, Armindo Rodrigues, e o comandante do exército, coronel José Maria Menezes, são acusados, “em autoria material, por omissão, com dolo eventual” de 14 crimes de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves e de quatro crimes de homicídio qualificado.
Em causa está o ataque ao Quartel do Morro, em São Tomé, ocorrido na noite de 24 para 25 de novembro, após o qual três dos quatro civis assaltantes – que agiram com a cumplicidade de alguns militares – e um outro homem – identificado como o orquestrador do ataque e detido posteriormente pelos militares – foram submetidos a maus-tratos e acabaram por morrer no mesmo dia, nas instalações militares.
Para a acusação, o assalto consistia na primeira fase de um plano que visava a “subversão da ordem constitucional”.
O MP, que pede a demissão dos militares acusados, entende que aqueles três arguidos nada fizeram para proteger os detidos nem impedir as agressões e “sabiam que, com o seu comportamento omissivo, violavam deveres funcionais a que estavam sujeitos como militares, decorrentes do exercício das funções que desempenhavam à data, designadamente os deveres de proteção, de autoridade, de zelo e de correção” e “agiram de forma livre e consciente”.
Para o MLSTP, “não se pode admitir” que com a formalização dessas acusações por parte do MP, “o Governo continue a agir como se estivesse tudo normal, chegando ao ponto de promover e conceder louvores a pessoas, cujo verdadeiro papel nesta trama toda ainda não está devidamente esclarecido”.
“Reconhecendo o princípio da presunção de inocência, consagrado na nossa Constituição e nas leis, não podemos deixar de questionar o seguinte: O senhor primeiro-ministro tem medo de quê? Está a proteger quem? Porquê tantas contradições e incoerências durante este processo? Por que não retira as consequências políticas desses atos e demite o senhor ministro da Defesa, o vice-chefe do Estado-Maior e o comandante do exército? O senhor tem a noção do estrago que esta sua posição tem causado à imagem e credibilidade externa do Estado são-tomense?”, questionou o MLSTP/PSD.
O ministro da Defesa e Administração Interna, Jorge Amado, foi presidente e líder parlamentar do MLSTP/PSD, e ocupou a pasta da Defesa Nacional em 2022 durante o último ano do Governo (2018-2022) liderado por Jorge Bom Jesus (MLSTP).
A comissão política do MLSTP/PSD considerou que o primeiro-ministro, Patrice Trovoada (Ação Democrática Independente, com maioria absoluta no parlamento), está “a afundar-se num mar de contradições e incoerências cada vez que se pronuncia sobre este processo” dos acontecimentos de 25 de novembro, por defender a presunção de inocência dos militares acusados, mas não o ter feito em relação aos acusados, em fevereiro, pelo assalto ao quartel e outras figuras da oposição citadas na investigação.
“O senhor primeiro-ministro assobia para o lado e fala em presunção de inocência, chegando ao cúmulo de afirmar que não vai demitir ninguém até conhecer o resultado final do julgamento”, lê-se no comunicado do MLSTP/PSD.
O partido congratulou-se com a publicação pelo Ministério Público da “acusação formal aos elementos das FASTP envolvidos, por acção ou omissão, nos macabros assassinatos e a confirmação das causas das mortes, por tortura selvagem e maus tratos agravados”, mas diz ter ficado “uma vez mais, com a sensação que o Ministério Público poderia e deveria ir mais além, porque faltou identificar quem foi o mandante, ou os mandantes desses hediondos crimes”.
“Os comissários não compreendem a razão para não se ter feito a perícia aos telemóveis dos principais protagonistas desta acção, como aconteceu no inquérito do assalto ao quartel, de forma a se clarificar com que responsáveis políticos essas pessoas falaram e a que horas esses telefonemas foram realizados”, acrescenta.
“Considerando que estão concluídos os dois inquéritos instaurados pelo Ministério Público, motivo apontado pelo senhor primeiro-ministro para fugir ao debate com a oposição, a comissão política orientou a bancada parlamentar do MLSTP/PSD a introduzir, ainda esta semana, um novo pedido de debate de urgência na Assembleia Nacional, para que esses assuntos sejam debatidos na casa da democracia”, anunciou o partido.
“Esperamos que, desta vez, não haja ‘manobras’ por parte do senhor primeiro-ministro e da senhora presidente da Assembleia [Nacional], para voltarem a negar a concretização deste direito legítimo dos partidos da oposição”, refere o partido, o segundo mais votado nas legislativas de setembro passado, com 18 assentos no parlamento composto por 55 deputados.
O MLSTP/PSD apelou às instituições judiciais, organizações internacionais e representações diplomáticas instaladas no país, para que estejam atentas à situação do arguido Bruno Afonso “Lucas”, o único dos quatro assaltantes que sobreviveu, preso preventivamente pelo envolvimento do assalto ao quartel, “de forma a que medidas sejam tomadas para que este não tenha o mesmo destino que as outras quatro vítimas mortais”.
Por outro lado, o partido do ex-primeiro-ministro Jorge Bom Jesus criticou as recentes deslocações dos membros do Governo aos distritos e a Região Autónoma do Príncipe (RAP) para auscultação da população para a elaboração do Orçamento Geral do Estado, após quatro meses de governação.
“Num país com sérias dificuldades financeiras, ao ponto de o Governo não conseguir pagar os salários dos funcionários públicos a tempo e horas, o senhor primeiro-ministro decide entrar de novo em campanha eleitoral, gastando rios de dinheiro público, fazendo deslocar uma comitiva de mais de 30 viaturas e 100 pessoas aos distritos para ir ouvir as mesmas reclamações e reivindicações que as populações fizeram nas campanhas eleitorais e, em algumas localidades, vêm fazendo nos últimos 12 anos, dos quais esse senhor foi primeiro-ministro por duas vezes e Governou 6 anos, sendo 4 anos com maioria absoluta e nada resolveu”, reclama o MLSTP/PSD.
“Como justifica a ida à RAP, com todos membros do Governo e as respetivas viaturas, com altos custos de frete do avião e barco, quando quase todos os membros do Governo já estiveram recentemente de visita à RAP, de forma a se inteirarem dos problemas sectoriais que a região enfrenta? Não foi este, um pretexto para o senhor primeiro-ministro ir comemorar o seu aniversário na ilha irmã, num dos melhores hotéis do país, a custa do sacrifício dos contribuintes são-tomenses?
O maior partido da oposição pediu ainda a reação do primeiro-ministro e as eventuais consequências face a acusação de um grupo de técnicos das florestas contra o ministro da Defesa denunciado por alegado abate ilegal de árvore em violação de um despacho do próprio executivo.