A Polícia Nacional impediu hoje os familiares do único sobrevivente do assalto ao quartel militar de novembro passado de se manifestarem para exigir o julgamento do processo, justificando com a proibição de realização de protestos imposta pelo Governo.
Vicente Lima, um tio de Bruno Afonso, conhecido por Lucas, usando como capa a bandeira de São Tomé e Príncipe, com as cores verde, vermelha e amarela, subiu a uma carrinha de caixa aberta, na Avenida Geovani, na capital são-tomense, e lançou o apelo à adesão popular ao protesto convocado pela família.
“Estamos aqui para pedir o julgamento urgente do caso de 25 de novembro de 2022, pois o Governo está matando o Lucas na cadeia. Todos aqueles inconformados manifestem-se connosco hoje”, apelou Vicente Lima.
No entanto, Vicente Lima, a mãe e uma irmã de Lucas, alguns populares, sobretudo dirigentes do Partido de Convergência Democrática (PCD), que aderiram à manifestação foram impedidos de prosseguir com o protesto por cerca de duas dezenas de polícias enviados para o local.
“Os senhores policiais não nos deixam passar alegando que é por causa da cimeira, mas eles esquecem-se que nós pedimos para fazer muito antes da cimeira, eles é que não permitiram que nós nos manifestássemos. Os senhores comandantes sabem muito bem que nós não estamos fora da lei”, reagiu Paulina Lima, uma das irmãs de Bruno Afonso.
Além da polícia, um grupo de cidadãos, com uma bandeira de campanha com o rosto do primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, e o lema ‘estou pronto’, em tons agressivos, confrontavam a família de Bruno Afonso com apelos à polícia para impedir a manifestação.
“Eles já tentaram fazer manifestação pela primeira vez e o Estado aceitou. Agora como tem [a cimeira da] CPLP eles querem fazer manifestação? A própria família merece ser presa”, disse um dos líderes opositores à manifestação.
“Pela reação de alguns populares vê-se que o Governo pagou a alguns delinquentes para virem procurar confusão na nossa manifestação pacífica”, reagiu Vicente Lima, que foi seguido pelos opositores, mesmo depois de desistir de continuar com o protesto.
Segundo Vicente Lima, há duas semanas que tem sido recusada uma consulta a Bruno Afonso com o argumento que “não há um guarda [prisional] para o levar ao hospital”.
“Está tudo dito. Querem que ele morra, que a única testemunha morra na cadeia para que não haja julgamento”, considerou o tio de Bruno Afonso.
Vicente Lima disse sentir “uma revolta total” face à proibição de realização de protesto e à prisão do seu sobrinho.
“Já estamos numa ditadura”, considerou.
Os membros do PCD que se juntaram à família de Bruno Afonso tentaram convencer a polícia a não impedir o protesto, mas também foram vaiados pelos populares que estavam contra a manifestação.
“Nós os verdadeiros democratas que lutamos por este país, vamos de forma pacífica mudar isso. É assim que nós queremos receber e ser presidente da CPLP? É isso que nós queremos transmitir aos outros cidadãos da CPLP”, questionou um dos dirigentes do PCD, Sebastião Santos.
O dirigente do PCD, na oposição são-tomense, sem assento parlamentar, considerou que apesar da não realização do protesto, “o sinal está dado e com o tempo as pessoas vão se apercebendo das coisas”, afirmando-se “convencido que o país caminhará para um rumo democrático”.
Na quarta-feira, o Presidente são-tomense, Carlos Vila Nova, defendeu que “as manifestações, não sendo autorizadas, não deverão acontecer”, e admitiu que havendo problemas de constitucionalidade devem ser resolvidos pelas instituições “vocacionadas para o efeito”.
“O Governo em sede própria tomou uma decisão que também há de se entender, é no quadro das suas competências”, precisou o chefe de Estado, na quarta-feira, antes de viajar para a África do Sul.
Antes, o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, advertiu que quem violar a proibição de manifestação imposta pelo Governo “terá que assumir com as consequências”.
Patrice Trovoada referiu “se polémicas há” sobre a proibição imposta pelo Governo devem ser “tratadas nos fóruns e nas instâncias próprias”, nomeadamente os tribunais.
“De momento está proibido e qualquer pessoa que se atreva a violar a lei terá que assumir com as consequências […] se o tribunal tiver uma apreciação diferente o Governo irá evidentemente acatar as decisões dos tribunais”, disse Patrice Trovoada.
Os familiares de Bruno Afonso pretendiam realizar uma manifestação na sexta-feira passada para “exigir que os tribunais agendem o julgamento do caso 25 de novembro de 2022” e a soltura do arguido, único sobrevivente do assalto ao quartel, considerado pelas autoridades como tentativa de golpe de Estado, em que morreram quatro pessoas.
No entanto o protesto foi cancelado em menos de 24 horas, devido à decisão do Governo que proibiu durante 15 dias a realização de manifestações “para garantir tranquilidade e ordem” durante a cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que o país acolhe, de 21 a 27 de agosto.