Amilson Noronha, natural de São Tomé e Príncipe, e residente em Portugal desde os 11 anos, tornou-se um dos atletas mais inspiradores do Muay Thai em Portugal, ao conquistar aos 35 anos, o primeiro título de campeão nacional da modalidade na categoria 81kg, após ter saído da prisão em 2018.
O jovem sempre esteve ligado ao desporto, praticando atletismo e futebol na adolescência. Porém, foi no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL Selva) que encontrou o Muay Thai, graças ao incentivo do amigo e rapper cabo-verdiano Nex Supremo. Ali, a arte marcial deixou de ser apenas uma curiosidade e tornou-se um propósito.
“Eu não tinha paixão pelo Muay Thai, o meu interesse sempre foi o futebol, e continua a ser. Na prisão, foi um amigo que me incentivou a experimentar. Ele dizia para eu treinar, porque já havia outras pessoas a praticar, enquanto eu apenas observava de longe, afinal, a minha cena era o futebol. Um dia decidi ir ver como era. Fui ao primeiro treino e gostei. Mas treinávamos às escondidas, porque os guardas prisionais não permitiam treinos ao ar livre”, contou Noronha, em entrevista à RSTP.
“Mas continuámos a treinar. Quem nos orientava era um prisioneiro que também aprendera Muay Thai lá dentro e já estava ali há muitos anos. Eu e o Nex começámos a treinar com ele. Na altura, eramos cerca de 10, mas alguns foram desistindo, porque não tinham foco. Foi aí que eu apanhei realmente o gosto”, acrescentou.
Amilson Noronha recorda o episódio que levou à sua prisão, esclarecendo que tudo aconteceu num contexto de rivalidades juvenis e não por envolvimento em criminalidade organizada.
“Foi mais por causa daquelas rivalidades de gangs”, começou por explicar. “Grupos rivais, bifes, cenas de bairro. Eles tinham o grupo deles e nós tínhamos o nosso. Tudo começou por falta de respeito. Nós estávamos em casa com a nossa família e eles [o outro grupo] entravam, invadiam a casa, agrediam… essas coisas”, revelou.
Segundo Noronha, a reação surgiu depois de sucessivas provocações e da ausência de intervenção policial.
“Não íamos aceitar isso sempre. A polícia não fazia nada, então tentámos defender-nos. Não éramos delinquentes nem marginais. Estávamos apenas naquela fase da juventude”, afirmou.
“Muitas pessoas que nos conhecem sabem quem somos. Andávamos todos juntos na escola. Foi aquele ano, 2012, e passou”, completou.
Após sair da prisão em 2018, Amilson Noronha dedicou-se integralmente à modalidade. Hoje, ao serviço da RVS Sampaio Team, coleciona vitórias importantes, incluindo o “I Open Nacional de Muay Thai 2025”, afirmando-se como um dos atletas mais competitivos da sua categoria.
“A minha estreia [no muay thai] foi no campeonato nacional em 2024. Perdi para o meu adversário, ele também é muito bom, foi justo vencedor, mas para mim foi uma pilha de motivação, porque foi aí que senti que é mesmo isso que eu quero”, afirmou.
“Porque, uma coisa é estar a treinar e outra coisa é estar a combater. Então, a motivação é outra, a maneira de ver as coisas são outras, preparação vai ser outra. E depois dessa luta eu disse, vou seguir em frente e no próximo ano quando eu regressar, vou regressar mais forte, coloquei isso na minha mente, então tive de treinar bastante aprender, corrigir os erros, vendo os vídeos de combates”, referiu.
O atleta avançou ainda, que já participou e venceu vários torneios antes da sua participação no campeonato nacional de 2025.
Sobre o futuro da modalidade em São Tomé e Príncipe, Noronha manifestou interesse em criar uma escola destinada a ensinar os jovens a praticá-la.
“Tenho o meu mestre, que é também o meu primo. Ele costuma ir a São Tomé e já conversámos sobre esta possibilidade. Seria uma forma de levar algo novo ao país, porque o desporto não se resume apenas ao futebol, basquetebol ou andebol. Existem várias modalidades que podem ajudar muitos jovens. O país precisa do desporto, isso ajuda”, assegurou.
“Aqui, [em Portugal], existem muitas academias de Muay Thai e muito talento, incluindo muitos jovens são-tomenses que já praticam a modalidade. Implementá-la no país seria ainda melhor. Tenho capacidade para isso, sobretudo ao nível da formação”, acrescentou.
Amilson Noronha, que tem feito praticamente todo o percurso sozinho, apelou aos governantes para que prestem mais atenção aos jovens atletas são-tomenses que competem em diversas modalidades fora do país.
“Nós estamos a fazer a nossa parte, representando São Tomé e Príncipe, mas com apoio tudo seria diferente. É importante que olhem com mais atenção para os jovens são-tomenses que estão espalhados por aqui, sobretudo em Portugal, onde são muitos. Não me refiro apenas a apoio financeiro, mas à proximidade, estar presentes, entrar em contacto, conhecer os nossos objetivos, ou seja, conversar connosco”, declarou.
Com a confiança em alta, Amilson Noroha prepara-se agora para disputar a Taça de Portugal, nos dias 13 e 14 de dezembro, determinado a ampliar o legado que está a construir.
