Juventude -

“Não serei eu uma mulher?”

Sinto que o que tenho não me chega. Quero mais. Posso fazer mais. Mereço mais. Sei quem sou e sei que terei mais…

Não serei eu uma mulher, numa sociedade que normaliza quase todo o mal contra a Mulher: o estupro, abusos sexuais, feminicídio, violência doméstica, famílias monoparentais, assédio sexual e desrespeito às mulheres.

Não serei eu uma mulher, numa altura em que ainda existem pessoas que acham que feminismo significa mulheres estarem contra os homens, esquecendo que este modo de estar na sociedade não é benéfico apenas para as mulheres.

Não serei eu uma mulher, numa altura em que continuamos a achar que “na briga entre marido e mulher
não se mete a colher”.

Não serei eu uma mulher, numa altura em que achamos que uma mulher que foi violentada, foi porque mereceu, porque saiu com as amigas, porque vestiu roupas “impróprias”, porque chegou tarde em casa.

Não serei eu uma mulher, numa altura em que achamos que a mulher foi violada porque andava de noite sozinha, porque menosprezou os riscos, porque estava com um vestido “muito curto”, ou porque estava à procura de sexo.

Não serei eu uma mulher, numa altura em que achamos que uma mulher que teve a “infelicidade” de ter quatro filhos de pais diferentes é porque não presta, é puta, vadia, “não é mulher digna para casar”.

Não serei eu uma mulher, numa altura em que a depressão está a pairar em muitas cabeças cansadas de lutar, que não são compreendidas, respeitadas, amadas e valorizadas.  Não serei eu Mulher?

Solidão silenciosa, invisível e incompreendida

É urgente abordar com frontalidade a solidão da mulher preta, que de certo modo, nos afeta à todas, de forma direta ou indireta. A solidão da Mulher preta é um assunto sério. Um assunto que durante muito tempo foi desvalorizado. Precisamos urgentemente entender e combater esta solidão silenciosa, invisível e incompreendida e, de certo modo, ignorada e subjugada por muitos.

Se andarmos no comboio na linha de Sintra todos os dias pelas 6:30 horas da manhã ou pelas 22:00 horas, deparamo-nos de perto com muitas das facetas desta realidade. Podemos ver rostos que expressam solidão. Podemos ver o rosto de uma mulher que tem quatro filhos para sustentar sozinha, sem ajuda de ninguém; rosto de uma mulher que apanha do marido; o rosto de uma mulher que foi violada; o rosto de uma mulher que teve de abdicar dos seus sonhos para cuidar da família ou o rosto de uma mulher infeliz com a vida que o destino lhe reservou. Mulheres que trabalham horas a fio para conseguir do pouco salário que recebem, pagar todas as contas.

Elas confrontam-se com a falta de apoio dos maridos, de certos familiares e amigos, com a incompreensão dos filhos – que reclamam não ter aqueles ténis que tanto queriam, ou por não conseguirem ir para aquele passeio da escola
porque a mãe não tem dinheiro para custear as despesas; falta-lhes também dinheiro para irem de férias com a família, falta-lhes o direito ao lazer que durante muito tempo não puderam considerar importante.

O lazer para os olhares tristes destas mulheres resume-se nos poucos fins de semana que têm em casa, em ambientes de convívio com alguns amigos e filhos, onde felizmente reina a boa disposição. Estes são os poucos momentos
de descontração que conseguem desfrutar, podendo durar normalmente um ou dois dias. Logo depois, os tais rostos de solidão têm que estar preparados para enfrentar mais uma semana de luta.

Quando conseguimos quebrar os estereótipos de géneros, conseguimos libertar homens e mulheres de preconceitos equivocados impostos por uma cultura predominantemente machista. O ideal seria que todos nós fossemos livres para sermos do jeito que quiséssemos ser.

Tenho nome, sabiam?

Eu, uma mulher jovem, de origem santomense, mãe que por acaso é solteira, que vive e sempre viveu na periferia de Lisboa, tenho de lutar todos os dias para mostrar o meu valor e provar ao mundo que não sou mais uma preta. Tenho nome, sabiam? Sou a Neusa Sousa. Sou mulher, que batalha muito.

A realidade da minha mãe foi igual a de quase toda mulher preta solitária. Mãe a solo de quatro filhos, que teve que desdobrar-se para conseguir dar-nos tudo o que podia, fazendo de tudo que estava ao seu alcance para não passarmos necessidades. O destino da minha mãe, que considera a minha vida melhor do que a vida, que o destino lhe reservou, não foi tão generoso como ela merecia.

No entanto eu, formada, com um emprego que me faz feliz, com salário aceitável, superior ao que ela recebia, a ser respeitada e valorizada…ainda assim, sinto que não é suficiente! Quero mais. Posso fazer mais. Mereço mais.
Sei quem sou e sei que terei mais…

“Já te foi dado tantas oportunidades” – dizem. Claro que sim. Mas na verdade, foi tudo conquistado com muito esforço, dedicação e competência.

Então volto a questionar: Não serei eu uma mulher?

Referência:  Sojourner Truth

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