Sociedade -

Um ano atípico com seus mortos esquisitos

No início do ano, a esperança ainda lá estava, claro, uma esperança à “la santoméenne”. Uma esperança que se cria por medo de não ter esperança. Uma busca por salvação individual, e no máximo, familiar.

Uma esperança com um Deus particular, um Prado, uma mansão luxuosa mergulhada no lixo… com muros levantados para que a pobreza não incomode mais.

 

O baile do fingimento seguia, a cura para os loucos à solta nas ruas, a revolta de um amigo moribundo no leito do Hospital. Pode piorar?!  – Sim, um amigo demitido por um impugnar concurso onde o Juri e o candidato confundia-se. Os outros que andavam no mesmo Café ficaram em silêncio. Todos têm medo de estar certo quando o Estado está errado – Silêncio estratégico?

 

Veio COVID-19, a consciência de que a saúde era importante passou a pairar no ar. No início, toda a nossa classe média, aquela que se acha ungida, começou a secar os supermercados… aos mais pobres, nem sequer uma garrafa de álcool etílico… correndo o risco de não terem sequer papel higiênico. Com o preço do álcool etílico na altura, duas famílias poderiam ficar facilmente embriagadas por dias.

 

Todavia, havia surgido empresas nacionais fabricantes de álcool etílico. Uma empresa tinha tido falhas higiênicas na produção de aguardente no passado. Curiosamente, o álcool etílico que vendia parecia muito em sabor e teor alcóolico ao seu aguardente descredibilizado, só o preço era mais elevado que antes.

 

Após isso, vieram as mortes… tive a minha experiência pessoal com a perda bem diante dos meus olhos. Os meus amigos também tiveram. E todos pensamos sobre a saúde pública novamente. E todos nós pensamos em deixar essa ilha do medo onde todos se calam, onde todas opiniões ou são usadas pelo poder ou são estigmatizadas pelo poder. Com algum azar, até esse texto virará matéria política dos perfis falsos.

 

Já tínhamos visto o perigo do extremismo. Tivemos igrejas queimadas, família “pobre” com um filho morto por bala perdida, família “pobre” demais para ser notícia ou querermos saber o nome do menino. Alguns bons cristãos aplaudiam a queima da igreja, talvez por algum motivo de concorrência pela venda de salvação ou visões de paraíso.

 

Os políticos diante dessas crises, de AVC’s, coronavírus e violações ou crimes famélicos, tiveram a grande ideia – mexer na lei sobre os presidenciáveis. Não pararam mais, depois veio a lei eleitoral e a politização da Comissão Eleitoral. Fradique deve ter rido, já tinha sido alvo dos mesmos antes. Aprimoraram, agora os deputados reivindicam a sua condição de Nobres. Na terra de tantos deputados substitutos, quem tem passaporte diplomático estendido até à família, salário bem acima da média, aposentadoria jovem é o Rei “Profissional”(esses não acabarão como Rei Amador).

 

Enquanto isso, pensei em meu pai e na mesa vazia do Natal sem ele. Eu reparei nas suas preocupações. Fazia tempo que dava aulas. Minha família dedicou-se à docência, o que ele ganhou? –  Ele dava aulas no IUCAI, não foi pago e o seu algoz anda recriando diplomas fantasmagóricos e inclusive, deve-me dinheiro também. Para minha surpresa, é conselheiro para assuntos petrolíferos em horas vagas … é a ascensão da moralidade superior? USTP não pagou pelas aulas dadas e isso não era um privilégio só do meu pai. E o coitado ainda era professor extraordinário durante o confinamento … se vivesse mais tempo, descobriria que não receberia nada também nos meses seguintes, e ainda por ser velho, seria encostado dois meses após o início das aulas.

 

Por todo lado onde passo, dizem que o meu pai foi um homem íntegro (além de craque no futebol como eu), penso que ele tinha alegria em viver – embora tivesse sido usado por alguns ”bons amigos”. Alguns amigos que se tornaram inacessíveis ao meu bom pai (mistério da apoteose política?), preferiram mais dar o adeus e pêsames do que atender às chamadas enquanto o velho esteve em vida. Outros sempre estiveram lá.

 

Esperemos que o próximo ano seja um pouco melhor, que a ambulância não demore mais e mais, e os serviços de saúde não levem outros pais cardíacos  enquanto os filhos assistem ao filme. Alguns tios se foram do nada, pai de amigos e amigos também. Mortes evitáveis. A cada dia vamos percebendo que o plano de saúde em Portugal e as evacuações necropolíticas é somente o ópio do povo político, morrerão todos nesse ritmo e nós também. Basta olhar para o lado e verificar que depois dos 35 anos todos aqui têm alguma doença crônica (hipertensão ou diabetes). Isso é quase uma sentença de morte!

 

Bem, agora devo exercer o silêncio santomense.

Feliz Ano Novo. 2020 pt 2

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