O povo pequeno vive na sombra de heróis, não consegue ser senhor de si mesmo. Essa elite forma o que chamo de Pequeno Povo – os donos da terra.
Veja-se, La Boétie, desde de 1573 quis entender porque nações inteiras se entregavam facilmente à um ou dois tiranos. Eu quero aqui entender porque o mesmo povo que é chamado à luta fica à margem das suas benesses. O povo pequeno passou anos de colonialismo fazendo ativismo cego guiado por dois ou três senhores em nome de uma causa. Terminada a causa perceberam a farsa da revolução que se seguia anos depois em formato de benefícios para uns e leis rígidas para muitos. Como explicar às nossas crianças que após a independência uns acordaram ricos e outros acordavam em filas para comprar pão?! Todos lutaram pela independência e só um punhado recebe pensão como “herói combatente”.
O mesmo povo pequeno tomado pela fúria tirou daqui os colonos e caiu nas mãos do Partido único. Depois o mesmo povo pequeno caiu no jogo obscuro da nossa democracia pluripartidarista. O povo pequeno não se sente representado. O poder vai rodando nas mesmas mãos, mesmas famílias. “[…] se diversos são os meios de aos reinados chegar, quase sempre semelhante é a maneira de reinar” (LA BOÉTIE, 1573, p. 16)
Em algum momento, alguns membros fogem do Povo pequeno e preenchem o Pequeno povo. E veremos gente até equilibrada dizendo coisas que não acreditam em nome de um pouco mais de conforto e bem-estar. Gente que ganha vida vendendo informações, o Pequeno povo faz do Povo pequeno seu próprio inimigo. O Pequeno povo só quer a devoção cega e obediência do Povo pequeno. Não é isso que se espera dos escravos? – se for manso e bem adestrado terá acesso às migalhas.
Aparentemente, os antigos colonos deixaram um trono vazio e um povo bestializado acostumado ao chicote e ao mestre. A educação não nos libertou o suficiente para sermos auto-conscientes. Ninguém almeja verdadeiramente o desenvolvimento económico, apenas tachos para si e a sua família. O trono é preenchido por mestres novos… a nossa democracia adaptou-se aos nossos vícios coloniais antigos e nós não nos entregamos às suas virtudes.
O povo pequeno para se expressar precisa ser violenta, dizem eles. Os santos que não pegaram em armas acabaram mortos, ensinou-nos Maquiavel. E quem define o que é violência está em cima, toda a atividade que ameaça o poder do Pequeno Povo é tido como violência… mas a pobreza não é violência, é incidente. Não há violência policial, são ocorrências apenas. Achille Mbembe diz que o Estado africano é teológico, tem o monopólio da verdade. O que passa na televisão, na rádio… as atitudes das instituições têm como o único fim a preservação do poder de uns e manipulação da maioria.
“Il faut libérer l’homme noir de lui même”.(FANON, 1961, p. 12)