Aquando da publicação da sinopse desta rubrica, várias foram as mensagens que recebi em privado afirmando categoricamente que aquele meu português seria muito fino; que poucos seriam os leitores destas crónicas porque o meu português, como se diz por cá, não é “terra-a-terra”!
Confesso que tais afirmações mereceram de mim a mais profunda reflexão e rapidamente concluí que estariam certos. De facto, não haveria nenhum interesse em ler o que escrevo, principalmente se o foco estiver na forma e não no conteúdo.
Efetivamente, não está!
Sabe-se que São Tomé e Príncipe é um país de pequena dimensão geográfica, contudo de uma enorme riqueza no que diz respeito às línguas. Somos e falamos Crioulos, três com origem local (Forro, Angolar e Lung’Ie) e um que nos chegou pelos navios e que hoje também a nós pertence (Cabo-verdiano). A par destes, herdámos ainda a Língua Portuguesa. Antes, pertencia ao outro, ao opressor; hoje, também nossa. Tão nossa que parece que estamos decididos a crioulizá-la de tal forma que apenas entre nós corremos o risco de a entender.
Não quero com isto dizer que nos devemos envergonhar daquilo que é a variação linguística existente, ou aniquilar o resultado da criatividade dos falantes. Estas são caraterísticas e indicadores que nos mostram que as línguas são vivas e que percorrem o seu próprio caminho dentro do espaço geográfico e das fronteiras em que se encontram.
Quem de nós não se deliciou, num passado ainda recente, com um bom vinho, mau dele? Ou não dançou ao som de um Ranca Mandioca, apesar do wechaísmo do vizinho? Estas expressões idiomáticas, construções criativas e até neologismos merecem ser registadas, descritas e analisadas de forma séria e, acima de tudo, descomplexada.
Mas há mais.
Há alguns meses, entrei na sala de aula e no quadro encontrei um pequeno texto, brinde dos meus queridos alunos, que passo a partilhar: “Nós aqui, nós tá tudo mal. Nós não tem estrada nem caminho. Chuva quando chove, lama lamaça. Morto quando morre, até chegar hospital, morreu!”
Não sei afirmar que sentimentos se me afloraram à medida que os meus olhos passavam, palavra por palavra, pelo fatídico texto, mas fiquei com plena convicção de que seremos o único país do mundo onde a lama lamaça e onde um único morto, morre duas vezes. Mas, não só nisto somos únicos. Ainda que sem dados científicos que o suportem, acredito também que seremos os únicos seres capazes de fenómenos que as próprias leis da física não conseguem explicar. Quantas vezes, pelas “ruas da cidade”, ouvimos em dias de chuvas intensas o lamento “Eu molhei uma chuva!!!”.
Pois é!
Estes e outros fenómenos linguísticos seriam cómicos, se não fossem trágicos. A tragédia mora numa espécie de miscelânea entre o português popular, o português padrão e os crioulos, entre a língua falada e a língua escrita, entre a produção oral (com mais ou menos sotaque) e a produção escrita. Isto é, escreve-se como se fala, na ilusão de que se fala de acordo com o que se deveria escrever.
O que sugiro? A variação, estude-se! O erro, corrija-se!
Porque é urgente Bem Falar para Melhor Escrever.