Sete partidos da oposição são-tomense, com e sem assento parlamentar, anunciou hoje que vai apresentar uma queixa-crime contra os militares e promete “manifestações de rua” para exigir o esclarecimento do ataque ao quartel militar e a morte de quatro civis.
“Nas próximas horas, uma queixa-crime será movida contra os militares, quer as chefias, quer os subalternos e os civis envolvidos para que a justiça seja feita”, lê-se num comunicado subscrito pelo Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata (MLSTP/PSD, 18 deputados) e o Movimento Basta (dois eleitos) – ambos com assento parlamentar, e também, sem lugares no parlamento, o Partido de Convergência Democrática (PCD), o Movimento Democrático Força da Mudança (MDFM), a Frente Democrática Cristã (FDC), os Cidadãos Independentes para o Desenvolvimento de São Tomé e Príncipe (CID-STP) e a União para a Democracia e Desenvolvimento (UDD).
A coligação Movimento de Cidadãos Independentes/Partido Socialista – Partido de Unidade Nacional, conhecido como “movimento de Caué”, que conquistou cinco assentos na Assembleia Nacional, não participou nesta posição.
Os representantes destes partidos sublinham que “ninguém pode estar acima da lei”, e por isso, pediram audiências com o Presidente da República, Carlos Vila Nova, e com o ministro da Defesa e Administração Interna, Jorge Amado, e aguardam ser recebidos “o mais rapidamente possível” para a análise da situação.
No comunicado lido pelo líder parlamentar do MLSTP/PSD, Danilo Santos, na sede do partido na Assembleia Nacional, as forças políticas subscritoras adiantam que “desencadearão igualmente manifestações de rua, de forma pacífica e no estrito ditame das leis” e apelam “à comunidade internacional a dedicar todo o afinco na investigação e no esclarecimento cabal desta situação, para que no solo pátrio são-tomense nunca mais possa acontecer algo parecido”.
Os partidos da oposição rejeitam a tese de que o assalto ao quartel-general das Forças Armadas, ocorrido em 25 de setembro, tenha sido uma ‘tentativa de golpe de Estado’, como disseram as autoridades.
“Os acontecimentos de 25 de novembro, caracterizados pelo primeiro-ministro, em primeira mão, como ‘tentativa de golpe de Estado’, não passa de uma montagem meticulosamente preparada com vista a ceifar a vida das pessoas incómodas pelos que querem, a qualquer preço, instalar o poder autocrático, totalitário e ditatorial em São Tomé e Príncipe”, lê-se no comunicado.
Para estas forças políticas, “a minuciosa caracterização” dos acontecimentos feita pelo primeiro-ministro, Patrice Trovoada (Ação Democrática Independente), nas primeiras horas do dia do ataque ao quartel, “evidenciam” que o mesmo estava “no comando das operações”.
“Curiosamente, é o primeiro-ministro quem, de fato de treino e de forma ofegante, dá conhecimento da situação ao país, usurpando o poder constitucionalmente consagrado ao Presidente da República. A minuciosa caracterização feita por ele da apelidada “tentativa de golpe de estado”, a tranquilidade transmitida de que a situação estava sob controlo […] evidenciam que o senhor primeiro-ministro estava efetivamente no comando das operações”, referem.
Os partidos questionam as quatro mortes, de “testemunhas ímpares”, anunciada poucas horas depois das declarações do primeiro-ministro e o facto de “não haver danos resultantes do tiroteio encetado por mais de cinco horas entre as partes”, bem como “as contradições existentes entre as falas do primeiro-ministro, do brigadeiro e do vice-brigadeiro” sobre o assunto.
“Ou o primeiro-ministro foi incorretamente informado e, se assim foi, é de condenar a sua leviandade ao tratar de um assunto tão sério e ao mentir a população garantindo que tinha controlo de tudo. Ou seja, tratando-se de “um golpe de Estado”, estava de facto por dentro de tudo e tinha que assumir as responsabilidades do seu controlo e comando”, indicou o porta-voz dos partidos, Danilo Santos.
Uma semana depois do ataque ao quartel das Forças Armadas, o primeiro-ministro fez uma visita de menos de 24 horas à Ndjamena, capital do Chade, e depois a Portugal e Estados Unidos, onde se encontra atualmente, para participar na cimeira EUA/África.
Na quarta-feira passada, o Presidente da República também se deslocou à Guiné Equatorial, onde permaneceu durante três dias, após ter participado na cerimónia de posse do chefe de Estado daquele país, Teodoro Obiang Nguema.
“Como haver uma tentativa de golpe de Estado e o primeiro-ministro e o Presidente da República se ausentarem em simultâneo do país? Só pode tratar-se de uma brincadeira de muito mau gosto”, consideram os partidos da oposição.
Para estes partidos, “tudo indica que tal não passa de uma inventona para matar os adversários mais incómodos, silenciar as forças políticas, instaurar o clima de medo, desacreditar e descredibilizar as Forças Armadas, decapitando-as em seguida, criar condições constitucionais e legais para voltar a instalar tropas estrangeiras no país e perpetuar-se assim no poder com base no totalitarismo e ditadura”.
Referem ainda que além das ações isoladas de cada partido, a partir de agora desencadearão, em uníssimo, “ações que contribuam para o cabal esclarecimento da situação e para que a justiça possa julgar todos realmente implicados”.
“As forças políticas em referência, que não pactuam e jamais pactuarão, em circunstância alguma, com qualquer tentativa de subversão da ordem constitucional, condenam igualmente toda e qualquer montagem de intentonas ou inventonas tendentes a tal objetivo, perpetrada com requintes de crueldade, tortura e selvático desumaníssimo, aspetos que nunca fizeram parte do modo de ser e de estar do são-tomenses”.
Os partidos consideram como “deploráveis, condenáveis e levados até as últimas consequências os horrendos acontecimentos de tortura e terror perpetrados no passado 25 de novembro, os quais deixam bem claro que, ao haver crimes executados no interior das Forças Armadas, é porque existem criminosos no seu seio”, pelo que “tais criminosos” devem ser, “de imediato banidos, separando-se assim o trigo do joio”.
De igual modo, “deve ser expulso e expurgado do sistema do poder ou do contra-poder e entregue à justiça qualquer cidadão civil comprovadamente implicado no alegado ‘golpe’ de modo a ser justa e exemplarmente punido”.
Na semana passada, o primeiro-ministro são-tomense negou, em entrevista à Lusa, qualquer envolvimento no assalto ao quartel-general das Forças Armadas, acusando os opositores de criarem “uma cortina de fumo”, e disse aguardar “tranquilamente” o resultado das investigações.
“Não sei como um governo com maioria absoluta, 11 dias depois da tomada de posse, com todos os responsáveis dos serviços das forças de defesa e segurança nomeados pelo anterior governo, procura fazer um golpe de Estado contra si próprio, não sei com que objetivos”, afirmou Patrice Trovoada.
Após o ataque, três dos quatro assaltantes e Arlécio Costa, um antigo combatente do ‘batalhão Búfalo’ alegadamente identificado como mandante do ataque, morreram, quando se encontravam sob custódia dos militares, tendo circulado imagens e vídeos que mostram que foram alvo de maus-tratos.
O Governo são-tomense anunciou ter feito uma denúncia ao Ministério Público para que investigue a “violência e tratamento desumano” de que foram vítimas os detidos.
No mesmo dia, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe pediu a demissão, denunciando “atos de traição” e condenando os “factos horrorosos” que envolveram a morte de quatro detidos.
Nas primeiras horas após o ataque, os militares também detiveram, na sua casa, o ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, alegadamente identificado pelos atacantes também como mandante do assalto.
Delfim Neves foi libertado três dias depois, após ter sido presente à juíza de instrução criminal, com apresentação periódica às autoridades e termo de identidade e residência, e negou qualquer envolvimento com este ato, que descreveu como “uma montagem” para o incriminar.
Além da missão de informação da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), está em São Tomé o representante para a África Central do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos para encontros com as autoridades são-tomense e averiguar a situação de maus-tratos aos detidos.