O Ministério Público são-tomense acusou 23 militares, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Olinto Paquete e o atual vice-chefe do Estado-Maior, pela tortura e morte de quatro homens no assalto ao quartel das Forças Armadas em novembro.
De acordo com o despacho de instrução preparatória do Ministério Público (MP) de São Tomé e Príncipe, a que a Lusa teve acesso, Olinto Paquete – que pediu demissão do cargo de chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dois dias depois do ataque, ocorrido em 25 de novembro de 2022 -, o vice-chefe do Estado-Maior, Armindo Rodrigues, e o coronel José Maria Menezes são acusados, “em autoria material, por omissão, com dolo eventual” de 14 crimes de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves e de quatro crimes de homicídio qualificado.
Em causa está o ataque ao Quartel do Morro, em São Tomé, ocorrido na noite de 24 para 25 de novembro, após o qual três dos quatro civis assaltantes – que agiram com a cumplicidade de alguns militares – e um outro homem – identificado como o orquestrador do ataque e detido posteriormente pelos militares – foram submetidos a maus-tratos e acabaram por morrer no mesmo dia, nas instalações militares.
Para a acusação, o assalto consistia na primeira fase de um plano que visava a “subversão da ordem constitucional”.
O MP entende que aqueles três arguidos nada fizeram para proteger os detidos nem impedir as agressões e “sabiam que, com o seu comportamento omissivo, violavam deveres funcionais a que estavam sujeitos como militares, decorrentes do exercício das funções que desempenhavam à data, designadamente os deveres de proteção, de autoridade, de zelo e de correção” e “agiram de forma livre e consciente”.
“Não ordenaram a entrega imediata, após a sua detenção, dos detidos à Polícia Judiciária” e “ausentaram-se várias vezes do quartel”, refere ainda o MP, que acrescenta que os mesmos “não deram ordens concretas para que cessassem as agressões e não se certificaram que as mesmas tinham cessado”.
Além das quatro vítimas mortais – os assaltantes Jullait Silva, Ezequiel Afonso e Gonçalo Bonfim, e Arlécio Costa, ex-combatente do batalhão sul-africano ‘Búfalo’, envolvido numa tentativa de golpe de Estado em 2003 -, os militares agora acusados agrediram também outros 14 homens, incluindo Bruno Afonso, o único sobrevivente dos assaltantes.
Os restantes 20 arguidos são acusados de “em concurso efetivo, por ação, com dolo direto”, e em coautoria, de 14 crimes de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos graves e de quatro crimes de homicídio qualificado, e, em autoria singular, de um crime de armas proibidas, engenhos ou substâncias explosivas.
Os acusados são: o 3.º sargento da Polícia Militar (PM) Daniel Carneiro; o tenente da Polícia Militar Absallyn Trindade; o sargento-ajudante da PM Início Sousa; o tenente da PM Nuno Quintas; o capitão da PM Stoy Miller; o tenente de transmissões Abdlu Tomé; o sargento de artilharia Ajax Managem; o tenente de engenharia Nílton d’Assunção; o tenente de infantaria Alex Viegas; o 2-º sargento Jakson Paquete; o 1.º sargento da secção desportiva Aykemss Danquá; o sargento de artilharia Lívio Trindade; o 3.º sargento da banda militar Rodolf Bento; o sargento-chefe de engenharia Álcio Eusébio; o capitão das forças Armadas Jayne Pereira; o capitão de infantaria Waldimyr Mata; o furriel da PM Geldenildo Benildo; o 1.º cabo de infantaria Valdinílson Santos; o furriel de agropecuária Aílton Cardoso e o 1.º cabo de artilharia Gérson Vaz.
O MP pede ainda a pena acessória de demissão das Forças Armadas para todos os acusados.
Em resultado das agressões, nove homens ficaram entre 20 dias e “um período não fixado” de doença, “com afetação das capacidades de trabalho geral e profissional” e outros cinco sofreram “fortes dores no corpo e um enorme desgaste e sofrimento psicológico”.
Quanto às agressões que resultaram nas mortes, o MP descreve que os homens sofreram lesões na cabeça, tórax, braços e pernas e que os arguidos lhes perfuraram as pernas com as baionetas colocadas na ponta das espingardas automáticas Ak-47 das Forças Armadas, causando perdas abundantes de sangue. Os homens sofreram também “fortes dores no corpo em geral e um enorme desgaste e sofrimento psicológico”.
No despacho, o MP requer ainda a audição de 37 testemunhas, entre as quais o inspetor da Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária portuguesa Pedro Varanda, do assaltante sobrevivente Bruno Afonso, conhecido como ‘Lucas’, e do ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, inicialmente constituído arguido por ter sido identificado pelos assaltantes como financiador e cujo processo foi arquivado pelo MP.
Tal como Arlécio Costa, Delfim Neves foi levado para o quartel na manhã de 25 de novembro, mas foi mantido numa sala durante todo o dia, até ter sido levado, juntamente com os restantes detidos, para as instalações da Polícia Judiciária e da Polícia Nacional, após mediação do Presidente da República, Carlos Vila Nova, e da comunidade internacional.
O despacho agora deduzido encerra assim a instrução do processo relativo ao assalto ao Quartel do Morro, depois de, em 23 de fevereiro, o MP ter acusado nove militares e um civil de envolvimento no assalto ao quartel das Forças Armadas, sete dos quais acusados do crime de homicídio qualificado na forma tentada.
As investigações contaram com o apoio de Portugal, a pedido das autoridades são-tomenses, através do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e DIAP de Lisboa, que prestou apoio e capacitação técnica, e de elementos da Polícia Judiciária, que integraram uma equipa mista juntamente com inspetores são-tomenses.
Fonte: Agência Lusa