Familiares do único sobrevivente do assalto ao quartel militar são-tomense, ocorrido em novembro passado, cancelaram uma manifestação prevista para hoje e mostram-se indignados face à proibição de protestos durante a cimeira da CPLP, imposta pelo Governo.
“Eu sinto-me indignado com esta decisão do Governo em que a população não possa manifestar os seus desejos, no meu caso, é a justiça para com o meu sobrinho que se encontra ilegalmente na cadeia já com excesso do tempo de prisão preventiva e com uma saúde precária”, disse à RSTP um tio de Bruno Afonso, conhecido por ‘Lucas’.
Em carta datada de terça-feira, familiares de Bruno Afonso, conhecido por ‘Lucas’, informaram as autoridades que levariam a cabo uma manifestação”, a partir das 16:30 locais (17:30 em Lisboa), na capital são-tomense, “com vista a exigir que os tribunais agendem o julgamento do caso 25 de novembro de 2022 e a soltura do Lucas, o único sobrevivente deste massacre ocorrido no Quartel de Morro”.
Entretanto, na tarde de quinta-feira o Governo são-tomense divulgou um comunicado do Conselho de Ministros que proibiu durante 15 dias a realização de manifestações para garantir tranquilidade e ordem durante a cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que o país acolhe, de 21 a 27 de agosto.
O comunicado refere que as forças de segurança “estão todas envolvidas nas atividades da cidade segura” durante a chegada das delegações e a realização da cimeira.
“Neste âmbito, na impossibilidade de se afetar forças e serviços de segurança do Estado para garantir a segurança das pessoas e dos bens em caso de manifestação, o Governo decidiu, face às razões excecionais, que, durante o período de 15 dias (…), estão proibidas as realizações, em todo o território nacional, de todo o tipo de manifestações com caráter reivindicativo ou protestatório”, lê-se na nota.
“Eu não quero pôr a minha família e os meus amigos em perigo, por isso mesmo nós vamos ter que acatar essa ordem”, disse à Lusa o organizador da manifestação que estava prevista para hoje à tarde.
Vicente Lima considera que há intenção do Governo em deixar que Bruno Afonso permaneça da cadeia sem o julgamento.
“Se não houver julgamento a tempo, é o que toda a gente sabe que o Governo quer, ele como único testemunha viva falece na cadeia para que não haja testemunha ocular para contar a verdade”, disse Vicente Lima.
Desde 25 de novembro que Bruno Afonso e outros sete militares estão detidos, e posteriormente colocados em prisão preventiva.
Os advogados de Bruno Afonso apresentaram o pedido de ‘habeas corpus’ para a libertação do arguido, alegando a caducidade do prazo legal de prisão preventiva, prorrogado pela juíza do processo, sem a marcação da data do julgamento, mas o pedido foi rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Bruno Afonso e outros sete militares estão acusados dos crimes de alteração violenta, homicídio tentado, sequestro e ofensas corporais graves, detenção e uso de armas proibidas, entre outros.
Após o assalto ao quartel, que a justiça disse ter como objetivo promover um golpe de Estado, três dos quatro atacantes e um outro homem detido posteriormente pelos militares foram alvos de maus-tratos e acabaram por morrer, quando se encontravam sob custódia militar.
O Ministério Público (MP) são-tomense acusou 23 militares, incluindo os antigos chefe e vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, respetivamente Olinto Paquete e Armindo Rodrigues, pela tortura e morte dos quatro homens.
Recentemente o tribunal arquivou o processo contra Olinto Paquete, mas manteve as acusações contra Armindo Rodrigues, que ocupa agora as funções de comandante da Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe.