A advogada são-tomense, Yanira Tiny denunciou, em carta aberta aos presidentes da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o que considerou de violação dos direitos humanos e a instalação do “autoritarismo e abuso de poder” em São Tomé e Príncipe.
“Atualmente em São Tomé e Príncipe vivemos um dos momentos mais críticos da história do Estado de direito democrático, em que a nossa neófita democracia está em coma. A violação dos direitos humanos virou pão nosso de cada dia e, infelizmente, tudo isso é considerado ‘normal’, tendo em conta que supostamente o país ‘já tem dono’”, escreveu Yanira Tiny, no documento enviado à RSTP.
Tiny apresenta-se como “advogada no processo do Massacre do Quartel” defendendo o arguido Bruno Afonso, conhecido por “Lucas”, único sobrevivente dos acontecimentos considerados pelas autoridades são-tomenses como tentativa de golpe de Estado.
A advogada refere que “a Justiça que um dia foi cega, agora vê e muito bem” e que “o autoritarismo e o abuso de poder caminham lado a lado, atingindo (quase) todos os órgãos do poder, com reflexos nocivos para toda a sociedade e, principalmente, para os mais vulneráveis” em São Tomé e Príncipe.
Recentemente as Nações Unidas manifestam “profunda preocupação com as alegações de tortura e maus-tratos infligidos” por militares são-tomenses, no âmbito da alegada tentativa de golpe de Estado de 25 de novembro de 2022.
Em reposta, o Governo são-tomense sublinhou que São Tomé e Príncipe ”condena todas as práticas de violação dos direitos humanos” e que adotou “todas as medidas para garantir à justiça a descoberta da verdade e responsabilização das pessoas implicadas nos atos de tortura” que resultaram na morte de quatro civis, que estavam sob custódia de militares.
Yanira Tiny refere na sua carta que “tal como a ONU” também está “preocupada com a violação por São Tomé e Príncipe da Declaração dos Direitos Humanos”.
“Dói-nos na alma tanta impunidade em São Tomé. Aqui na grota [país], a culpa não anda solteira. Vive solteira. Os torturados até à morte gritam por Justiça!”, sublinha.
A advogada explica que o seu constituinte, Bruno Afonso, está detido desde 25 de novembro de 2022 e “cumpriu aproximadamente nove meses de prisão preventiva”, quando o Código de Processo Penal são-tomense, cita, dispõe “que a prisão preventiva não poderá ultrapassar os sete meses até ao início da audiência de julgamento”.
“A família do ‘Lucas’ teme pela sua vida. O ‘Lucas’ está a morrer. Um filho de São Tomé e Príncipe está a morrer. Um filho da CPLP está a morrer”, escreveu a advogada, acrescentando que o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou uma providência de ‘habeas corpus’ que pediu a libertação de Bruno Afonso, por excesso de tempo de prisão preventiva.
Os familiares de Bruno Afonso pretendiam realizar uma manifestação na sexta-feira passada para “exigir que os tribunais agendem o julgamento do caso 25 de novembro de 2022” e a libertação do arguido.
No entanto, o protesto foi cancelado em menos de 24 horas, devido à decisão do Governo que proibiu durante 15 dias a realização de manifestações para garantir tranquilidade e ordem durante a cimeira da CPLP, que o país acolhe, de 21 a 27 de agosto.
“Queima de arquivo? Será? (…) O Lucas está a morrer na prisão, como consequência da tortura de que foi alvo no quartel do Morro. Direitos Humanos estão a ser barbaramente violados em São Tomé e Príncipe”, apontou Yanira Tiny.
A XIV cimeira de chefes de Estado e de Governo da CPLP decorre em São Tomé e Príncipe, ocasião em que o país assumirá a presidência rotativa da comunidade, sob o lema “A Juventude e a Sustentabilidade na CPLP”.
A CPLP integra nove Estados-membros: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.