Silêncio da sociedade e morosidade da justiça aumentam abuso sexual em São Tomé e Príncipe  – SOS Mulher

“Parece que a violência sexual está sendo aceite pela comunidade. O crime não choca tanto como deveria chocar”, lamentou a secretária-executiva da SOS Mulher.

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Rádio Somos Todos Primos

A associação SOS Mulher apontou a morosidade processual e a aceitação social como causas do aumento do crime de abuso sexual em São Tomé e Príncipe e defendeu a aposta na educação para a mudança de paradigma.

Desde 2017 que a SOS Mulher acompanha as vítimas de abuso sexual em São Tomé e Príncipe, num total de 30 casos em 2020, 40 em 2021 e de quase 60 casos em 2022.

Dados do Ministério Público fornecidos à RSTP, sobre crimes de abuso sexual de menores, acto sexual com adolescentes, tentativas e violação, e violência doméstica, apontam um total de 454 casos em 2021, 514 em 2022 e 296 até final de agosto último.

“Quando há impunidade passa-se a mensagem que é permitido que se pratique os atos que estão sendo impunes”, sublinhou a secretária executiva da SOS Mulher, Jéssica Neves, em entrevista à RSTP.

A SOS Mulher tem promovido várias ações para a sensibilização da sociedade contra o crime de violência e abuso sexual, mas entende que os resultados ainda estão aquem do desejado pela organização.

“Parece que a violência sexual está sendo aceite pela comunidade. O crime não choca tanto como deveria chocar”, lamentou.

Jessica Neves referiu que em São Tomé e Príncipe “a violência sexual é cometida mais contra as crianças” e isso deveria “traduzir-se em uma comoção maior da comunidade”, o que não acontece, e há adultos, e muitas vezes mulheres, que justificam os abusos pela forma de vestir das mulheres e crianças.

“Nós acreditamos que para existir uma mudança desse cenário precisamos trabalhar na edução de base, porque a nossa geração para mudar vai ser mais difícil, mas é possível com muita sensibilização, com punição severa”, defendeu Jéssica Neves.

Atualmente a SOS Mulher acompanha cerca de 140 casos, mas refere que muitas vítimas desistem dos procedimentos criminais devido à morosidade da justiça.

“Elas denunciam, são chamadas, têm que contar [a história], passam por este trauma e seis meses depois voltam a chamar e têm que voltar a tomar contacto com a situação”, salientou.

A responsável da SOS Mulher partilhou o caso de uma vítima que “disse que está cansada de ter que reviver este momento”, porque “quando ela começa a esquecer, a ser curada do trauma é que são chamadas pela justiça”.

“Por isso é que muitas famílias acabam negociando, outras desistem, não querem nem tocar no assunto. Nós acabamos perdendo o contacto, temos muitas vítimas que viajaram justamente para fugir do ambiente e do local em que foram vítimas. As crianças começam a ter problemas mentais graves”, contou Jessica Neves.

A responsável rejeitou a tese segundo a qual o aumento de casos de abuso sexual deve-se apenas ao aumento de denúncias.

“Os valores estão em crise, a questão de impunidade que faz as pessoas estarem mais à vontade, e todo o tipo de crime em São Tomé está a aumentar, não em proporção do aumento da população, mas em quantidade. Há mais crimes”, sublinhou Jessica Neves.

 O Governo são-tomense inaugurou hoje a primeira sala de exames e perícias legais, com apoios de Portugal e das Nações Unidas, para travar a impunidade face aos crimes sexuais que aumentam no arquipélago.

A sala, instalada no Hospital Ayres de Menezes, está equipada para o atendimento, particularmente, de mulheres e crianças, que têm sido as principais vítimas do abuso sexual e violação em São Tomé e Príncipe.

A ministra da Justiça, Ilza Amado Vaz admitiu o “aumento da violência doméstica, sobretudo abuso sexual, e a dificuldade de uma resposta imediata” por parte da justiça face a “um grande défice também ao nível da medicina legal” por falta de médicos especialistas na matéria.

O ministro da Saúde, também presente na cerimónia, afirmou que “é bom sentir o amparo” dos parceiros de cooperação “para debelar este problema” de abuso sexual e dar maior proteção às vítimas e combater a impunidade.

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