A diversão estava nas descidas das grotas, deslizando na terra batida como se fôssemos campeões de um desporto inventado. O problema? A cada escorregadela, os calções de casa – os mesmos que já tinham sobrevivido a mil e uma aventuras – sofriam danos irreparáveis. E quando o estrago acontecia bem na zona traseira, lá vinha o comentário: “Matrícula 00!” Se os buracos eram dois, a atualização era rápida: “55 somado!” ou “88 somado!”. E se, por acaso, alguém tentava remendar o calção, mesmo com o remendo no rabo, o gozo era o mesmo. “Olha o matrícula remendada a passar!” – as risadas eram inevitáveis, e o número continuava na boca de todos.
Éramos felizes, corríamos de um lado para o outro sem preocupações, e os nossos pais não viviam com receio de nos deixar com os vizinhos, pois o medo de pedófilos e maldades desse tipo ainda não havia roubado a inocência que tínhamos.
Ora, olhando para o estado atual da política nacional, não podemos deixar de ver semelhanças. O país anda a deslizar sem muito controlo, e os discursos dos nossos líderes estão como os calções da infância: cheios de buracos e difíceis de remendar. A diferença é que, enquanto os miúdos tentavam meter a camisola por dentro para esconder a chapa matrícula, alguns políticos falam sem filtro, sem cautela e sem vergonha dos rasgões na credibilidade nacional.
As palavras têm peso. E no mundo de hoje, onde tudo se grava, se transmite e se compartilha em segundos, um discurso mal pensado pode colocar o país numa posição embaraçosa. Mas parece que há quem ache que fazer política é como brincar ao walala nas grotas: atiram-se de qualquer maneira, sem avaliar o percurso, e quando chegam lá em baixo cobertos de poeira, ainda riem, como se nada fosse.
O problema é que os nossos parceiros internacionais não estão a brincar. Eles observam, escutam e tomam notas. E quando percebem que um país não se leva a sério, que os seus dirigentes falam como se estivessem numa conversa de esquina, as oportunidades fogem. Investimentos? Desenvolvimento? Apoios estratégicos? Tudo isso exige confiança. E confiança não se ganha com discursos rasgados.
Portanto, caros responsáveis, antes de falarem, pensem. Medir palavras não é fraqueza, é inteligência. Porque o mundo está a ver, e ninguém quer negociar com quem desfila por aí com a matrícula 55 somado à mostra.
Amador Cruz
Humor de Gravata,Nº 2