Confesso, com mão no peito e olhos no céu: sou religioso. Não bebo álcool. Nem um golinho. Nem para molhar os lábios no Natal. O fígado está intacto, e a consciência limpa. Mas – e aqui reside o milagre da economia – vendo cerveja. Grades e grades dela. É um negócio honesto, próspero, e até divinamente irónico. Afinal, Nosso Senhor multiplicou vinho em bodas. Eu multiplico grades. Cada um com os seus dons.
Mas venho hoje partilhar um desabafo, pois a minha paciência – ao contrário das garrafas – está a esvaziar-se rapidamente. Não é pela habitual trapalhada jurídico-política em torno da gestão da Cervejeira Rosema. Isso deixo para os tribunais e os comentadores de fato e gravata. A minha indignação é mais terrena. Mais espumosa. E passa-se dentro das grades. Literalmente.
Nos últimos tempos, tenho recebido queixas (e vi com estes olhos que a terra há de comer!) de que, em cada grade de 20 garrafas, quatro trazem cerveja a meias. Meias, meus senhores! Como se a fábrica tivesse sido tomada por monges minimalistas ou fantasmas abstémios que se esqueceram de encher o resto. E como é que explico isso aos clientes? “Ah, veja bem, isso é a nova edição light da Rosema: menos líquido, mais espaço para reflexão interior”?
Já pensei em adaptar o marketing: “Rosema – ideal para quem quer beber só até meio e depois meditar sobre as falhas do sistema.” Ou lançar uma campanha de solidariedade: “Por cada meia cerveja que recebe, outra meia vai para um anjo lá em cima.”
E o pior: ninguém assume responsabilidade. Dizem que é uma questão logística. Eu chamo-lhe milagre ao contrário. Se Jesus transformou água em vinho, a Rosema consegue transformar uma cerveja inteira numa promessa incumprida.
Portanto, meus caros, não me venham com debates de posse e tribunal. O que eu quero – enquanto cidadão, comerciante e crente – é que as minhas cervejas venham cheias. Como Deus manda. Ou, vá, como o consumidor exige. Porque se há coisa que irrita mais do que uma cerveja quente… é uma cerveja a meias.
E assim me despeço, a rezar por tempos melhores e grades completas.
Amador Cruz
Humor de Gravana, N°6