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A cacharamba e o álcool da discórdia em STP

Num país onde tudo é política a política toma conta de tudo. Aproveitam-se das querelas, discute-se o supérfluo e minimiza-se o essencial, defendendo sempre os “interesses inconfessáveis” da minoria enquanto o país procura alcançar o anunciado desenvolvimento e rendimento médio.

Produzimos “tudólogos” e “politólogos” que pouco ou nada sabem das coisas que comentam, enquanto o país fica dependente de investigadores e especialistas externos que anunciam estudos e soluções, mas não conseguem evitar problemas com governantes e a sociedade dita civil, mas que é acima de tudo politizada.

Há anos que se fala da senhora caharamba e do álcool nas ilhas de nome Santo. Já lhe chamaram de assassina, agressora, violenta, política e muito mais, porque ela está em todo lado e produzindo vários efeitos. A cacharamba enche, engorda, emagrece, mata pessoas, influência decisões eleitorais, origina violência doméstica, cria revolta nas redes sociais e serve de base para queixa-crime contra investigadora que pôs o Santo Tomé e Santo António na boca do mundo ao afirmar que “as crianças das ilhas bebem mais álcool do que leite”.

A senhora cacharamba sempre foi feliz e muito procurada nas ilhas, sobretudo nas comunidades rurais, nas festas e nozados (muitas vezes de quem ela matou). É tão famosa a senhora que o conceituado músico são-tomense, Kalú Mendes, dedicou-lhe uma canção porque segundo ele, nas ilhas “mamã cu papa não faz outro coisa, senão cacharamba só”. A música que chama atenção para um problema social, não produziu o efeito desejado, mas ficou na boca do povo tal como a própria cacharamba.

A verdade é que a fama da senhora caharamba despertou a atenção da investigadora que decidiu estudar-lhe, a partir de 2013 e agora diz que cientificamente concluiu-se que ela é mesmo criminosa e tem sido utilizada para “matar a fome e lombriga das crianças de São Tomé e Príncipe”.

Teve muito pouca sorte a investigadora pois, nem a sua nacionalidade originária como são-tomense, lhe escapou da condenação social e virtual dos seus compatriotas, porque em São Tomé e Príncipe, a verdade é que as crianças bebem mais chá do que leite e álcool.

Nas ilhas anda-se tão atento que o estudo da investigadora foi divulgado em dois fóruns internacionais e nunca mereceu críticas ou reação dos Governantes, mas bastou um título “chocante” para os politólogos e tudólogos responderem, aliás, muito mais rápido que o Governo, o INE ou mesmo o Sociólogo que tinha engavetado um estudo sobre o assunto.

Quando o Governo reagiu, no fundo dissera: “insultem as nossas crianças, mas não denigram a imagem externa do nosso país porque ele sempre foi santo e tem nos rendido vários milhões para comprarmos caros, casas e viagens e deixar o povo pobre com a cacharamba e o álcool”.

Nas ilhas, disseram que a imagem externa do país é algo a se preservar muito mais que as próprias pessoas, porque a mesma investigadora já falara do problema em jornal e imprensa nacional, e afirmara ter entregue relatórios aos governantes das ilhas, mas nunca se disse nada ou tomou-se qualquer medida para proteger o povinho. Aliás a taxa de importação de bebidas alcoólicas baixou e povinho não reclamou.

PArece que a imagem do país importa muito mais que os são-tomenses, pois se assim não fosse, quando a DW África noticiou que “estudantes São-tomenses em Guarda estão a recorrer a prostituição e a droga para pagar os estudos” ou quando a RSTP noticiou que “Estudantes São-tomenses são vítimas de racismo em Marrocos”, certamente os governantes das ilhas também reagiriam a mesma medida, pelo contrário receberam o diretor do IPG e disseram que os estudantes atirados no deserto foram detidos pela policia marroquina.

Obviamente que o estudo da investigadora exagerou em muitos aspetos, por exemplo quando diz que se carrega garafões de cacharamba na cabeça as 4 horas da manhã, penso que deve ter confundido com bidões de água que se vai “apanhar antes de secar”.  Claro que há rivalidade política entre a investigadora e o atual Governo das Ilhas e isso claramente influenciou em grande medida o estudo de uma questão tão preocupante.

Por tudo isso, o Santo Tomé e o Santo António diriam que é uma tristeza profunda ver a nossa juventude a entrar nestas contendas que nada têm a ver connosco, porque são poucos os que discutiram o verdadeiro problema do país. É triste não ver a nossa juventude a exigir as verdadeiras atitudes e medidas sérias para o essencial da questão. É triste saber que quando se baixou a taxa de importação do álcool poucos reagiram. É triste saber que se cobra taxas sobre o leite doado para instituições de solidariedade. É triste saber que várias vezes se realizou grandes campanhas sobre a colocação de placa de proibição de venda de bebidas alcoólicas às crianças, mas nunca houve seguimento e controle. É triste saber que temos uma lei de proibição de venda de bebidas alcoólicas aos menores, mas que não é implementada. É triste constatar que as medidas mais sérias para redução do consumo do álcool no país são marchas sucessivas das quais não se consegue medir o seu impacto nesta luta. É triste  saber que não há qualquer controle sobre a produção da nossa cacharamba quando quase todos nós conhecemos um amigo ou temos um familiar que morreu ou anda “inchado” e nós próprios dizemos que é devido a cacharamba, mas ninguém faz nada”.

Apesar dos exageros, o estudo da investigadora alerta para questões preocupantes. Porque não atacamos e respondemos com medidas sérias? Deste quando se fala do problema de consumo de álcool em STP? Quantas medidas foram tomadas? Estão mesmo preocupados com as crianças? A queixa crime que foi anunciada, já foi formalizada?

Meu povo! Minha gente! São Tomé e Príncipe precisa tomar um novo rumo. Quero acreditar que somos capazes de fazer diferente e fazer melhor.

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