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A Disposição das Esculturas no Museu Nacional: Uma Reflexão sobre Identidade Histórica e Cultural

O Museu Nacional de São Tomé e Príncipe, como centro de preservação e promoção da memória histórica, desempenha um papel essencial na formação da identidade nacional. No entanto, a disposição das esculturas no pátio exterior da instituição levanta questões significativas sobre como a história é representada e, mais importante, sobre quem ocupa o espaço simbólico da memória coletiva. O pátio apresenta três elementos escultóricos que refletem eventos históricos de grande relevância para o país, e As esculturas do Museu Nacional representam eventos históricos de grande relevância para o país e suas disposições requerem uma análise cuidadosa.

O Obelisco: A Definição do Espaço

O primeiro elemento escultórico que se encontra à vista de quem chega ao Museu é um obelisco de 9 metros de altura. Este obelisco serve para definir o local e, de certa forma, marca o início da narrativa histórica representada no pátio. Seu tamanho imponente e a forma que remete à história e à presença colonial sugerem uma tentativa de criar um ponto de referência que transcende o tempo, guiando o visitante por uma jornada de memória e de símbolos.

As Estátuas dos Navegadores Portugueses

Ao lado do obelisco, três estátuas representam os navegadores portugueses que chegaram à ilha de São Tomé em 1470, segundo registros históricos. Essas figuras são monumentais, com cerca de 4 metros de altura, e ilustram um marco importante na história colonial do país. Porém, ao observá-las, é impossível não questionar o peso simbólico de tal representação em um espaço de memória nacional. Essas estátuas de navegadores portugueses têm uma proporção impressionante, mas a forma como elas ocupam o pátio pode ser vista como um reflexo do legado colonial que, ao longo dos anos, tem sido predominante na construção da narrativa histórica de São Tomé e Príncipe.

O Busto do Rei Amador
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Em contraste, o busto de Rei Amador, uma figura incontornável do século XVI e um símbolo da resistência santomense, ocupa um lugar mais discreto no espaço. Rei Amador foi uma figura crucial na luta pela emancipação do povo santomense e teve uma importância histórica imensurável na formação da identidade nacional. Seu busto, entretanto, com seus 2 metros de altura, se vê eclipsado pelas estátuas dos navegadores portugueses, o que levanta uma questão fundamental: o que isso diz sobre a valorização de nossa própria história em comparação à narrativa imposta por séculos de colonização?

O Descompasso entre a História e a Representação

O problema da disposição dessas esculturas não está apenas na dimensão física, mas também na numérica e simbólica. O pátio do Museu apresenta três estátuas dos navegadores portugueses em um espaço amplo, enquanto o busto de Rei Amador, embora de grande significado histórico, parece relegado a um segundo plano. A presença de três estátuas imponentes de navegadores portugueses em uma proporção muito maior do que a do busto de Rei Amador transmite uma mensagem de que a história de São Tomé e Príncipe é ainda definida predominantemente pela presença dos colonizadores. Isso não significa desvalorizar o papel dos portugueses na história, mas sim refletir sobre como a memória histórica precisa ser construída de forma mais equilibrada e justa, dando o devido espaço àquelas figuras locais que realmente lutaram pela liberdade e pela identidade do país.

A Necessidade de Reavaliação

É imprescindível que, no século XXI, ao refletirmos sobre nossa história e identidade, busquemos formas de celebrar as figuras locais que tiveram um papel decisivo na emancipação do país, como Rei Amador. A preservação da memória histórica não deve ser uma promoção indiscriminada da imagem do homem branco, mas sim uma construção de uma história inclusiva, que valorize igualmente o papel dos habitantes nativos de São Tomé e Príncipe.

O busto de Rei Amador não deve ocupar o mesmo espaço que as estátuas dos navegadores portugueses, não apenas por uma questão de proporção física, mas também porque sua representação no Museu Nacional deveria ser uma afirmação da luta e da resistência do povo santomense. A decisão sobre o arranjo do espaço no pátio do Museu precisa ser revista para garantir que figuras como Rei Amador, um ícone da luta revolucionária, tenham o reconhecimento que merecem.

 

Conclusão
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O Museu Nacional de São Tomé e Príncipe tem a responsabilidade de não apenas preservar e exibir artefatos históricos, mas também de garantir que sua disposição e representação conduzam a uma reflexão crítica sobre a identidade nacional. Em pleno século XXI, é vital que se promova a história de forma equilibrada, respeitando o papel dos santomenses na construção de sua própria liberdade. A memória nacional não pode ser definida apenas pela presença dos colonizadores, mas pela luta e resistência daqueles que, como Rei Amador, foram pioneiros na busca pela emancipação e dignidade do povo de São Tomé e Príncipe.

 

Por Enerlid Franca

São Tomé 21 de março de 2025

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