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A magnitude do mal se mede pelo descaso alheio na sua origem

Num Estado de direito, a Constituição é um verdadeiro limite à atuação dos poderes constituídos, pois é nela que encontramos consagrados os principais valores identitários de uma comunidade política organizada.

Por conseguinte, no rol dos direitos expressos na Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe (doravante CRDSTeP), encontra-se previsto de forma inequívoca, o direito a participação na vida política do país, conforme os termos do artigo 57.º da nossa lei magna.

Mais: o legislador constituinte quis e consagrou na parte II «Direitos Fundamentais e Ordem Social» e no título IV «Direitos e Deveres Cívicos-Políticos», os direitos políticos e de participação política a todos os cidadãos são-tomenses, indistintamente, enquanto membros de uma sociedade políticamente organizada e unida pelos mesmos valores que estiveram presentes na origem da fundação da República. Quis ainda o nosso legislador constituinte que, de forma indistinta, todos os cidadãos são-tomenses tivessem o direito ao sufrágio universal (artigo 58.º), direito ao acesso aos cargos públicos (artigo 59.º), bem como o direito de petição nos termos do artigo 60.º da CRDSTeP. Tais direitos fundamentais funcionam como um verdadeiro sistema de efetivação de direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos são-tomenses, sem distinção ou categorização.

Portanto, como se percebe, ainda que a Assembleia Nacional esteja incumbida de realizar a conformação dos princípios gerais expressos na CRDSTeP, conforme previsão do artigo 98.º alínea c), o exercício desta função deverá sempre respeitar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, conforme dispõe o artigo 19.º números 1 e 2, sem esquecer o princípio da igualdade, também expresso no artigo 15.º número 1 da CRDSTeP.

Relativamente ao direito de eleger e ser eleito para o cargo de Presidente da República, dúvidas não parecem ocorrer, uma vez que a CRDSTeP é taxativa quando dispõe nos termos do número 2 do artigo 78.º que só pode ser eleito Presidente da República o cidadão são-tomense de origem, filho de pai ou mãe são-tomense, maior de 35 anos, que não possua outra nacionalidade e que nos três anos imediatamente anteriores à data da eleição tenha residência permanente no território nacional. É esta a regra que temos!

Ora, atendendo a opção do legislador constituinte e, tendo especial atenção a bastante frágil construção da nossa jovem democracia, não se afigura prudente, o modo pouco republicano, como foi adotado o projeto de lei com vista a alteração da lei eleitoral vigente pela Assembleia Nacional. Desde logo, uma alteração desta natureza deveria, antes de tudo, ser objeto de um debate sério e aprofundado sobre os efeitos das alterações agora propostas, suas implicações práticas, bem como a possibilidade de se averiguar se as mesmas entrariam ou não em colisão com o disposto constitucional que regula “Ab initio” a matéria em causa.

Nestes termos, importa ainda dizer que, além de se abrir um precedente que poderá eventualmente gerar alguma desconfiança quanto às reais motivações que justificam as alterações agora propostas à lei eleitoral, todos nós poderemos vir a ser vítimas de uma iniciativa legislativa pouco refletida e discutida junto dos são-tomenses e sua comunidade residente na diáspora. Sendo certo que São Tomé e Príncipe deve, e deverá sempre, acautelar com prudência, todos os direitos e interesses legalmente protegidos dos seus filhos (sem distinção) espalhados pelos quatro cantos do mundo.

Por último, a propósito do valor da Constituição bem como a obediência a que todos os poderes constituídos de uma República lhe devem prestar, vale ressaltar o excerto do brilhante discurso do Doutor Ulysses Guimarães, 38º Presidente da Câmara dos Deputados do Brasil:

“A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”.

 

Gelson Baía

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