País -

A quem serviu a independência de São Tomé e Príncipe?

O país foi incapaz de, em 49 anos, construir a sua própria alternativa à excessiva dependência externa de quase tudo, abrindo porta a que, felizmente ou infelizmente, a fuga para o exterior seja hoje a única solução para aqueles que não se conformam nem aceitam mais viver sem esperanças, sem oportunidade e sem reconhecimento de que o contributo do seu trabalho deve ter como correspondente um salário digno, acesso a serviços de saúde, transportes, e de educação com qualidade e dignidade.

A quem serviu a independência de São Tomé e Príncipe?

“Eis que chegou o dia 12 de julho, a data mais gloriosa da nossa luta, dia em que o povo de S. Tomé e Príncipe se liberta definitivamente da noite sombria da opressão e exploração colonial.” Foram estas as primeiras palavras do então recém-empossado Presidente da República – Dr. Manuel Pinto da Costa, nas primeiras horas do início das cerimónias da Independência das Ilhas Maravilhosas de STP.

Volvidos quase meio século depois, muitas questões têm sido levantadas pelos homens e mulheres são-tomenses a respeito dos propósitos da nossa independência, pois que muitas foram as expectativas legítimas criadas no seio do povo, e da eterna promessa de tudo fazermos para alcançarmos o desenvolvimento socioeconómico tão necessário e fundamental à construção de uma sociedade efetivamente livre, justa, solidária e independente no verdadeiro sentido da palavra. Por isso, a esta altura, 49 anos depois, creio ser unânime e legítimo expressar uma das muitas questões que muitos são-tomenses hoje colocam quando abordamos qualquer tema relacionado com a independência do nosso país que é:  afinal, a quem serviu a independência de São Tomé e Príncipe?

Ora, se é verdade que São Tomé e Príncipe comemora hoje os seus 49 anos de independência total e completa do jugo colonial português, data inquestionavelmente histórica, importante e que certamente deve ser celebrada por todos homens e mulheres são-tomenses, ao mesmo tempo, creio  ser ponto assente de que esta data também deve servir de ponto de partida para que todos os são-tomenses tenham de facto uma oportunidade para avaliar o caminho percorrido após os 49 anos de independência, já que os resultados à vista de todos, infelizmente, são dolorosamente dececionantes para a esmagadora maioria da população são-tomense.

Mais do que celebrar os 49 anos de independência, é tempo de nós, os homens e mulheres são-tomenses, dentro e fora do nosso país, ganharmos mais consciência crítica de que os desígnios da nossa independência não foram, de todo, cumpridos nem  devidamente perseguidos pelos pais fundadores da nação. Na verdade, creio que os ideais da nossa independência só serão efetivamente respeitados e cumpridos quando cada um de nós decidir promover uma real e efetiva alteração do projeto político do nosso país, já que os modelos experimentados até a presente data se mostraram, na maioria das vezes, desprovidos de lógica, racionalidade e falta de comprometimento com o bem-estar coletivo dos são-tomenses.

A título meramente exemplificativo, e contrastando até com o título de um micro-Estado que é modelo de estabilidade e alternância política pacifica em África, em 49 anos de independência, o nosso país foi incapaz de manter ou construir de raiz infraestruturas básicas essenciais ao funcionamento da sociedade que facto está comprometida desenvolvimento socioeconómico das suas populações.

Os 49 anos da independência de STP ficam ainda marcados por uma enorme fraqueza e não raras as vezes alguma incompetência das instituições que formam o nosso Estado, particularmente no que à boa governação diz respeito, e tal ficou demonstrado perante a ausência de planeamento e aplicação séria de boas políticas económicas e financeiras que permitisse a economia do país crescer, ser competitiva e responder aos anseios e expectativas legítimas dos jovens que hoje já representam a maioria da população. Esses mesmos jovens que, regra-geral, apenas veem o seu valor reconhecido em períodos eleitorais.

O país foi incapaz de, em 49 anos, construir a sua própria alternativa à excessiva dependência externa de quase tudo, abrindo porta a que, felizmente ou infelizmente, a fuga para o exterior seja hoje a única solução para aqueles que não se conformam nem aceitam mais viver sem esperanças, sem oportunidade e sem reconhecimento de que o contributo do seu trabalho deve ter como correspondente um salário digno, acesso a serviços de saúde, transportes, e de educação com qualidade e dignidade.

Mas, contudo e nos entretantos, em contraste com a realidade vivida pela maioria da população são-tomense, há uma elite bem identificada, cujo o acesso aos corredores do poder, através de jogos políticos pouco republicano, atingira milagrosamente o estatuto de donos do país, vivendo no luxo e conforto das suas vivendas e apartamentos distribuídos entre as ilhas e a capital portuguesa, esta última, paragem obrigatória para tratarem da saúde e da educação dos seus filhos, familiares e a habitual clientela política mais próxima.

É esta realidade, dura e crua, que, infelizmente, e salvo raras exceções, circunscreve a grande parte dos homens e mulheres a quem o povo confiou, por diversas vezes, desde 12 de julho de 1975, o mandato para conduzir os destinos do nosso país e das nossas gentes.

Mas como diz o povo, a esperança é sempre a última a morrer, e como somos um país onde se quer ver para crer, acredito que havemos ainda de cumprir a independência nacional, total e completa, proclamada a 12 de julho de 1975, porque esta, sim, esta que hoje celebra 49 anos, infelizmente, e com muita tristeza, ainda não serve ao verdadeiro povo de São Tomé e Príncipe.

 

Gelson Baía, 12 de julho de 2024

Comentar
 

Comentários

ATENÇÃO: ESTE É UM ESPAÇO PÚBLICO E MODERADO. Não forneça os seus dados pessoais nem utilize linguagem imprópria.

Últimas

Topo