Coligação pós-eleitoral que “transferem” votos “não respeita o princípio democrático”
Validar uma coligação de partidos após as eleições, quando os eleitores escolheram partidos e não coligações – e estas podiam ter sido feitas antes, com toda a liberdade – significa distorcer administrativamente aquilo que os votantes não quiseram (ou não se sabe se quiseram) no altar sagrado da urna eleitoral!
Coligações pós-eleitorais em São Tomé que “transferem” votos dados a um partido em benefício de outro partido ou coligação que não os recebeu depois de concluído o ato eleitoral? É coisa que nunca vi e não respeita o princípio democrático!
- Tive conhecimento de que se pretende agora em São Tomé e Príncipe que, depois de o ato eleitoral parlamentar ter ocorrido com votos em partidos que se apresentaram isoladamente, se faça uma “soma” de votos em partidos que não elegeram deputados, “transferindo-os” para outros partidos que ficaram mais bem cotados na preferência dos eleitores, com a invocação do art. 26º, nº 3, da respetiva Lei Eleitoral, no objetivo de estes ganharem mais mandatos à custa de votos que não lhes foram dirigidos.
- Salvo o devido respeito, eis uma coisa que nunca vi, nem é possível porque não há coligações eleitorais “a posteriori” (só ao nível do parlamento, depois de instalado o órgão), muito menos se podendo aceitar “atos de secretaria” para atribuir votos de eleitores que, por exemplo, votaram no partido X, oferecendo-os ex post facto eleitoral ao partido y, por simples vontade dos seus dirigentes ao combinarem entre si uma coligação ad hoc e oportuna, e com desprezo pela vontade dos eleitores, que não foi essa no ato eleitoral porque expressaram diverso sentido de voto.
- Algo de muito errado existe na plausibilidade de tal interpretação do mencionando artigo, que integra legislação eleitoral idêntica à de países lusófonos, o qual somente pode querer dizer que cada coligação tem os mandatos proporcionais (com o método de Hondt) aos votos nela expressos no dia da eleição, em comparação com outros partidos isolados ou outras coligações, naturalmente nos termos em que as candidaturas foram antes apresentadas no ato eleitoral.
- Validar uma coligação de partidos após as eleições, quando os eleitores escolheram partidos e não coligações – e estas podiam ter sido feitas antes, com toda a liberdade – significa distorcer administrativamente aquilo que os votantes não quiseram (ou não se sabe se quiseram) no altar sagrado da urna eleitoral!
- Aqui fica esta minha nota de preocupação em relação a matéria sensível na construção do Estado de Direito Democrático no país irmão de São Tomé e Príncipe, com cujas autoridades tenho muitas vezes colaborado com todo o empenho e neutralidade.
Jorge Bacelar Gouveia
Constitucionalista