Digitalização ou expropriação? Quando a preservação vira apropriação.
Preservação ou entrega? Os riscos jurídicos e culturais para os músicos e o Estado santomense
Dois acordos assinados pela Rádio Nacional de São Tomé e Príncipe (Estado santomense) com entidades estrangeiras, o primeiro com o DJ Thomas Bignon, cidadão de nacionalidade francesa em 2021 e o segundo com a Fundação Gerda Henkel (Alemanha) em 2025, colocam o acervo sonoro nacional em rota de colisão com os interesses dos músicos santomenses, a soberania cultural do país e a legislação autoral internacional.
O ACERVO E OS ACORDOS
Trata-se de mais de duas mil fitas magnéticas contendo músicas e discursos do período colonial, da independência e do pós-independência. Esse espólio, armazenado pela Rádio Nacional, será digitalizado e, em parte, comercializado ou disponibilizado digitalmente por parceiros estrangeiros — sem que haja evidência clara de que os autores das obras foram consultados ou remunerados.
MÚSICOS FORA DA EQUAÇÃO
A ausência de cláusulas de proteção autoral e de partilha de benefícios financeiros com os criadores representa uma violação potencial da Lei de Direitos de Autor. As obras, muitas das quais nunca foram registradas formalmente por falta de estrutura legal no país, correm o risco de ser internacionalizadas sem o devido reconhecimento, gerando enriquecimento ilícito de terceiros à custa da cultura santomense.
CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E POLÍTICAS
Essa omissão poderá resultar em processos contra o Estado santomense e contra a Rádio Nacional, caso autores ou seus herdeiros acionem instâncias judiciais nacionais ou estrangeiras. Há também risco de ações coletivas, investigações parlamentares e denúncias em fóruns internacionais de direitos culturais.
UM ALERTA URGENTE
É imperativo que os acordos sejam revistos à luz da legislação de direitos autorais, com envolvimento dos músicos, suas associações, juristas especializados e o Ministério da Cultura. A preservação digital deve ser acompanhada de transparência, participação dos titulares dos direitos e salvaguarda do interesse nacional.
CONCLUSÃO
A preservação do patrimônio musical de São Tomé e Príncipe não pode ser confundida com a sua alienação. Cabe à sociedade civil, às instituições culturais e ao próprio Estado assegurar que este processo não se transforme numa nova forma de colonização cultural.
Proteger o passado é garantir o futuro. E isso não se faz abrindo mão da nossa soberania cultural.
Por Enerlid Franca,
Diretor Executivo da On Time Entertainment
