O discurso de ódio face as eleições de 25 de Setembro
Ao dissertar sobre o tema em epígrafe, sabe-se de antemão que se incorrem em vários riscos. Nomeadamente de ser mal interpretado, sendo o conteúdo deturpado e o de ser ignorado pelos grupos de interesse nesta questão.
Com efeito, poder-se-ia, inclusive, de forma leviana, questionar se o discurso de ódio que assola certas sociedades, como a são-tomense, é cultural, hereditário ou necessário?
Dos factos analisados, e sem recurso ao contraditório, conclui-se que não.
Na sua alocução sobre l’impact du discours de haine sur la paix et la sécurité en Afrique Centrale o experimentado Professor Charly Gabriel Mbock partilhou a sua visão geral sobre os onze Estados que compõem a Comunidade Económica dos Estados da Africa Central (CEEAC), observou que o ódio é um produto social que se vende e se compra e que existe, no entanto, uma indústria de ódio, com lojistas e clientes…
O discurso de ódio alimenta-se de apetites exibidos na gestão do poder político. Daí que, nas últimas décadas, tem sido empregado prioritariamente e perigosamente em competições nas quais o poder político se manifesta. É por isso, sem dúvida, que os períodos eleitorais constituem o seu terreno favorito. E suas consequências são inúmeras, diversificadas, duradouras e muitas vezes fatais. À questão do discurso de ódio, portanto, introduz-se diretamente a questão da governação, pelo facto de se manifestar quando esta última aparenta-se problemática, configurando-se como um indicador de mal-estar social gerado pela má governação. Em síntese, poder-se-ia dizer que o discurso de ódio é o termômetro da governação.
Ademais, o Professor Mbock asseverou que a atividade política que culmina com as eleições (campanha) é uma das principais causas do discurso de ódio. Assim, considerou que a gestão dos interesses e necessidades das populações constitui a base social do convívio e da paz social. Para ele, qualquer má gestão dos interesses e necessidades das populações desperta frustrações que o discurso de ódio expressa. Todavia, observou que o encolhimento do espaço de vida cria uma desordem social que empurra para o outro. Porque o outro se torna “demais”. Nesse sentido, as frustrações sociais nascidas de uma governação aproximada levam a posturas de exclusão e rejeição que o discurso de ódio apenas verbaliza.
O discurso de ódio é a verbalização de uma pulsão destrutiva, alimentada pela própria insatisfação social causada pela má convivência cotidiana. Se é preciso coragem para reconhecer essa realidade social, é igualmente preciso benevolência para se concordar em enfrentá-la.
A questão já não é simplesmente social: é política. É estudada, examinada e resolvida entre o governante e os governados, entre aqueles que detêm o poder e aqueles sobre quem esse poder é exercido. Aliás, o que se pode observar a olhos nus, é que o ódio no que tange aos seus discursos assenta-se fundamentalmente em questões meramente políticas, uma vez que os seus atores visam com tais comportamentos incentivar a violência e a hostilidade contra os opositores.
Certamente que, o desporto (mormente reduzido ao futebol) quando guiado por fanáticos, ao invés de promover o bem-estar fundamenta o ódio, agressões e um sem-número de atitudes desprezíveis.
Esses discursos que cada vez mais presentes nas redes sociais, a dita ferramenta que subscrevendo Umberto Eco confere a voz e a vez aos imbecis, ganham adeptos e seguidores em formato fake news, difamando, caluniando e injuriando seus opositores (às vezes pelo simples facto de o outro pensar diferente, usar uma gravata diferente ou ter um sotaque igualmente diferente…), vêm contribuindo para fortalecer a incubadora do ódio em sociedade onde a justiça titubeia entre a impunidade e o burocrático.
Com efeito, embora não fecunda na realidade são-tomense, temos igualmente as questões religiosas enquanto promotoras do discurso de ódio. Os extremistas e intolerantes cuja crença reside apenas nas palavras do seu pastor, que preferem interpretar a bíblia segundo os seus interesses, que fazem e continuarão a repetir os atos feitos como os seus antepassados, fomentam o ódio contra todos aqueles que decidiram por uma conduta dissemelhante.
Enfim, de tudo o que se narrou acima, enquanto são-tomenses, amigos de São Tomé e Príncipe, parceiros de cooperação, cidadãos da sub-região ou do mundo, amantes da paz, sabemos o quão necessário se torna precavermo-nos do que dizemos e fazemos; que São Tomé e Príncipe é exemplo de alternância pacífica de poder na sub-região e que tudo deve ser feito, em nome da paz e da estabilidade internacionais, no sentido de o manter; por tudo o que “está em jogo” para o dia 25 de setembro, data prevista para que decorram as eleições legislativas, autárquicas e regional que sejam encetadas ações condizentes com a paz, na medida em que as crises sociais de governação inspiram o ódio e os seus discursos.
*Por Esterline Gonçalves Género, Professor da Universidade de São Tomé e Príncipe