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Regressar para Sentir: Um Olhar Apaixonado sobre São Tomé e Príncipe

Algures no tempo, São Tomé e Príncipe foi um dos maiores produtores de cacau e café, e hoje detém alguns dos melhores chocolates do mundo. O país que a minha geração tantas vezes critica (não sem razão), mas que ainda assim não consegue ver na sua totalidade.

Duas ilhas ímpares, situadas na linha do Equador, fazem de São Tomé e Príncipe o segundo país mais pequeno do continente africano e um dos poucos no mundo com uma vegetação tão única e diversa.

Este é São Tomé e Príncipe. Com pouco mais de 200 mil habitantes atualmente, é também o país mais pequeno da CPLP. É o país que me viu nascer e que, depois de sete anos, pude finalmente regressar — e revigorar-me com uma experiência única. Uma experiência que só quem visita as ilhas consegue verdadeiramente sentir. O famoso leve leve, que afinal não é tão leve leve como parece — julgamos, pensamos, mas é preciso viver para compreender.

Durante um mês e uma semana da minha estada, tive a oportunidade de experienciar, observar e viver algumas das melhores experiências socioculturais e profissionais da minha vida.

Mas foram dois dias em particular — numa tour proporcionada pela Direção Geral de Turismo e Hotelaria de São Tomé e Príncipe — que me permitiram conhecer verdadeiramente São Tomé e os seus encantos: a zona centro, norte e sul.

Descobri que, num raio de apenas 1001 km², São Tomé e Príncipe revela-se como um pequeno Estado insular e arquipelágico com uma localização geoestratégica privilegiada, um passado histórico-cultural rico, uma biodiversidade invejável, praias virgens e cristalinas, uma tranquilidade sem igual e a hospitalidade do seu povo. São características que fariam qualquer nação orgulhar-se deste manto de privilégio natural.

De todos os pontos positivos que posso enumerar sobre São Tomé e Príncipe, a forma de ser e de estar do seu povo é, para mim, o maior tesouro. É impossível ficar indiferente à simpatia e humildade do povo santomense. Nem mesmo a minha avó, que viveu praticamente toda a vida em São Tomé e Príncipe — à exceção de dez anos em Angola e alguns outros na ilha do Príncipe — conhece esta essência por completo.

Com esta pequena tour de dois dias, percebi que muitos jovens da minha idade — que nasceram e cresceram ora no Sul, ora no Norte ou no Centro da ilha — não conhecem o país de forma tão profunda. Até amigos meus, formados na Europa, Ásia ou América, como é comum entre os santomenses, ao regressarem às ilhas, muitas vezes não têm a oportunidade de conhecê-las com este olhar caloroso e cheio de curiosidade.

E eu? Só passados 22 anos tive esta oportunidade. Porque sou teimosa, insistente e — o mais interessante — apaixonada por estas ilhas que, outrora, foram o centro do mundo. Algures no tempo, São Tomé e Príncipe foi um dos maiores produtores de cacau e café, e hoje detém alguns dos melhores chocolates do mundo. O país que a minha geração tantas vezes critica (não sem razão), mas que ainda assim não consegue ver na sua totalidade. Não vê a beleza que ele carrega.

Posso culpá-los? Claro que não. Se não conhecem a realidade do país, se nunca a viveram de verdade, é natural que o sonho europeu se imponha. Muitas vezes alimentado pelos próprios santomenses, que viveram situações difíceis no país e, ao emigrarem, propagam o paraíso europeu, a vida fácil, o facilitismo — e acabam por instigar a vontade de partir.

É uma espécie de síndrome de inferioridade, fruto de um neocolonialismo ainda latente nas ex-colónias.

O fenómeno de descolonizar o pensamento continua desconhecido. E com uma educação que valoriza os ex-colonos, promove uma falsa globalização e negligencia a valorização interna, como posso esperar que a juventude sinta orgulho nas ilhas que os viram nascer e onde tantos perderam a vida?

Acho que começo a fugir do foco desta crónica, que é o olhar de quem vai de férias e tenta viver a santomensidade na sua plenitude. Mas é preciso muito trabalho interior, muita introspeção, para não olhar para a sociedade santomense com desdém ou apenas com crítica. Não porque o país não mereça crítica, mas porque, enquanto afrodescendente que não vivencia esta realidade diariamente, não posso assumir esse lugar de fala.

Muitos dizem-me que este meu olhar apaixonado sobre o país — sim, o meu país, porque só eu sei o quanto o amo, admiro e tenho esperança nele — resulta do facto de ter vivido grande parte da vida na Europa, nomeadamente em Portugal, e por isso não conhecer verdadeiramente a sua essência.

Alguns tentam demover-me, apontando a inexistência de infraestruturas, a falta de entretenimento, a precariedade laboral e social, a misoginia, o sexismo, a hipocrisia e a ausência de patriotismo.

E eu pergunto-me: conhecem-me melhor do que eu própria? Têm mesmo a certeza de que irei desiludir-me com o país? Ou será que a descrença é tão profunda, que já não acreditam que seja possível viver feliz em São Tomé e Príncipe?

E, no entanto, deparo-me com estrangeiros — portugueses, cubanos, cabo- verdianos, angolanos, brasileiros, espanhóis — que vivem no país há mais de 10, 15 ou 20 anos e não consideram regressar aos seus países de origem.

Curioso é que muitas das pessoas que me desencorajam a voltar são as mesmas que optam por continuar lá, mesmo com oportunidade de sair, e ainda assim falam mal do país, alimentam o ódio, a descrença e a falta de patriotismo.

Com isto, não pretendo romantizar a situação socioeconómica de São Tomé e Príncipe. Tenho plena consciência das fragilidades que o país enfrenta. Sei que há um longo caminho a percorrer para que este se torne o país que um dia sonhámos.

Mas pergunto: será que a melhor solução é abandonarmos o nosso país?

Deixarmos de acreditar? Maltratarmos o que é nosso e desacreditarmos na nossa sociedade?

Será que a culpa pelo estado em que o país se encontra é do próprio país… ou das pessoas que nele habitam?

Um país é feito de pessoas. São essas pessoas que criam as regras — e são também elas que as infringem e as normalizam. Se a mudança depende de todos nós, porque é que continuamos a achar que nada vai mudar?

Vão dizer-me: “Eu, sozinho(a), não consigo mudar a sociedade.” Mas, se não conseguimos mudar a nós mesmos, o nosso modo de pensar, o nosso núcleo familiar, os amigos, os nossos próprios privilégios — como queremos transformar uma nação?

Privilégio é uma condição de vantagem atribuída a uma pessoa ou grupo em relação aos demais. E na sociedade santomense, esses privilégios existem, e são vários. Desde os homens que usam o seu privilégio para abusar e desrespeitar as mulheres, até às famílias com estatuto e poder económico que exploram e humilham jovens, levando-as a perder a autoestima. Ou as senhoras que perpetuam rivalidades femininas, em vez de promoverem o apoio mútuo.

Sim, tenho plena noção das problemáticas sociais que São Tomé e Príncipe enfrenta. Ainda que eu própria seja uma privilegiada, acredito que podemos — e devemos — encorajar os jovens que querem regressar ao país. Que querem fazer a diferença. Que querem viver essa experiência, mesmo que corram o risco de se arrepender.

Porque acredito que é nas experiências que o ser humano se molda.

E pergunto: por que não permitir que essas experiências sejam vividas nas nossas ilhas?

Nota Final:

Este artigo foi escrito há dois anos, em 2023, quando fui de férias a São Tomé e Príncipe e participei, pela primeira vez, na Cimeira da CPLP. Na altura, não tive coragem de o publicar. Tinha medo de ser incompreendida. Estava a atravessar uma crise interior provocada pelo desejo intenso de regressar às ilhas, mas sentia que não tinha apoio. Hoje, com mais maturidade e com o coração mais leve, decidi partilhar este texto com o mundo. Talvez para inspirar outros… ou simplesmente para deixar escrito o amor que sempre tive por este lugar, de nome São Tomé e Príncipe.

Neusa Sousa

24 de abril de 2025

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