A tragédia dos são-tomenses: brancos demais para serem negros

Aparentemente após a colonização, cada são-tomense herdou uma máscara branca que se esforça até hoje para convencer a si mesmo que é a sua real face.

África -
brancos

Foto de reserva para animais in Kenya

  É importante notar que o branco até hoje vem significando: o belo, o rico, o poderoso. Ele tem para si todas as qualidades, o negro representa o seu contrário. Tudo isso ocorre intuitivamente, soa tão natural quanto a o anjo branco e o anjo negro; Vida mulata e a vida escura.

Decerto, com o fim do colonialismo, a burguesia africana ficou preocupada em imitar o estilo de vida dos antigos colonos, e sem querer, acabaram por imitar uma raça e não uma classe (NKRUMAH, 1977). Isto é, na impossibilidade de se tornar um colono por serem escuros demais…  na ausência, por exemplo, de várias mucamas na senzala com quem os colonos poderiam fornicar, o homem são-tomense coleciona um conjunto de mulheres esfomeadas onde paga objetos e comidas em troca de submissão total! – e tem de brinde a dita mulher principal. No lugar de ter várias escravas e mordomos, o homem são-tomense possui pobres que diz apoiar (afiliados) e várias “minas criás” que corrige até fisicamente ou acaba por engravidar. Isso é privilégio dos abastados, e se tiver mais capital pode manter até 3 famílias cujas mulheres fazem compras juntas num sábado a tarde. E como os colonos, vão colecionando seus bastardos pela ruela e aos domingos são todos santificados!

Frantz Fanon (1952) em “Peau noire, masques blancs” diz: “Todo povo colonizado – isto é, todo povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao sepultamento da sua originalidade cultural – toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura metropolitana (p. 34). Essa passagem pode ser vista a partir de uma coisa simples: o facto de o sotaque endógeno carregar no “r” irritar a nossa burguesia. É como se qualquer vestígio de santomensidade fosse naturalmente irritante aos ouvidos da classe abastada. No início achei que fosse qualquer zelo gramatical, mas estava errado. Os vícios do sotaque lisboeta como o indistinguível “é” do “i” por meio de subtração de vogais na expressão oral aparece como um certo charme, e os são-tomenses reproduzem-los com elegância. E para alguns círculos, é sinal de alta sapiência.

De algum modo, sempre acabo ouvindo em cada esquina em alguns núcleos que o são-tomense médio é selvagem. Ora, com a tabela de valores que possuímos aqui qualquer um que se distancie do tipo branco seria logo um selvagem. Os mesmos quando questionados sobre a nacionalidade sempre ressuscitam um avô português, uma tia da tia angolana cujos avôs são europeus, ou como atualmente tenho ouvido: o tio do padrinho do padrinho é londrino. O que mais poderia provar a superioridade moral que um passaporte europeu?!

Conquanto, queria deixar claro que só ouvi um jovem da minha idade falar crioulo fora da ilha. Pois, crioulo forro é coisa de gente educada por avós na roça e exala ar de pobreza, daí que mesmo os que sabiam eram tidos como atrasados. E os que não falavam por serem “civilizados demais” ouviam o melhor elogio que se pode fazer à um santola: “tu não és como os outros são-tomenses, és diferente” – isso basta para ele sair sorrindo e totalmente dominado ou embrutecido! Talvez nisso pudéssemos ouvir São Deus Lima na voz d’A dolorosa raiz de Micondó: “Os forros e o seu injusto medo de amar a liberdade.”(2006, p. 27)

Fanon (1952) reserva um capítulo para falar da mulher negra e o branco. Numa passagem um pouco pesada para realidade atual ele diz: “ Pode-se dizer que todos os seus esforços têm em vista este objetivo que quase nunca é atingido. A necessidade de gesticulação exagerada, os gostos pela ostentação ridícula, as atitudes calculadas, teatrais, repugnantes, são sinais de uma mesma mania de grandeza; elas precisam de um homem branco, todo branco, nada mais que isso” (p.65).

Talvez as nossas moças estivessem esperançosas por clarear a família ou se sentem claras demais para não retroceder. Já vi quem elogiasse a amiga por ter dado a sorte grande de ter conseguido um branco. Não que esse comportamento seja a regra, mas não podemos negar o fato de ser real. Os filhos mulatos dão sorte, posso provar isso, na minha batalha hercúlea da mocidade em busca de amores, os maiores sedutores que encontrei eram mulatos. Ou eles nasciam com um instintivo “savoir faire” ou Tenreiro (1982) tinha razão no poema Mestiço: “Quando amo a branca/ sou branco./ Quando amo a negra/ sou negro.” (p. 62) Eu não sabia amar nem a negra e nem a branca por sinal!

Para não ser injusto com as mulheres, dado os meus últimos acontecimentos recrio aqui o outro capítulo em que Fanon (1952) inquiriu sobre a relação do Homem negro e a branca. Ele afirma: “Da parte mais negra da minha alma, através da zona das meias tintas, me vem este desejo repentino de ser branco […] ora – quem pode proporcioná-lo, senão a branca? Amando-me ela me prova que sou digno de um amor branco. Sou amado como um branco. Sou branco!”(p. 69)

Logo, a primeira coisa que um são-tomense pergunta ao irmão estudante que vem de um país europeu é sobre “as damas de cabelo longo” que ele comeu, e ele conta as suas histórias (estórias) com certa euforia e falsa modéstia. Em STP onde nenhum casal por qualquer medo anda de mãos dadas, acredito eu, por exposição (ou será devido os amantes?) vejo os meus irmãos desfilarem com uma branca do lado. Contudo devemos ser cautelosos, talvez apenas estejam alguns caçando passaportes para escaparem da ilha.

Finalmente os nossos mais velhos tinham razão quando colocavam um branco na frente do negócio por saberem que o são-tomense por algum complexo de inferioridade atura com certo prazer o europeu ditador e abusa do seu igual são-tomense mesmo se fosse Cristo. Talvez se Cristo fosse são-tomense acabaria com perna inchada (feitiço?) Ou escuro demais para ser levado à sério?! – Os bons cristãos e adoradores de Cristo andam muitas vezes em casas de curandeiros para atingir objetivos diversos. Mas os curandeiros são negros demais para serem chamados de sacerdotes e os seus adoradores pobres demais para serem chamados de religiosos – a religião negra é a bruxaria das máscaras brancas são-tomenses.

 

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