Quatro dos cinco juízes do Tribunal Constitucional (TC) são-tomense cessaram funções na terça-feira, após a entrada em vigor da lei interpretativa aprovada pela Assembleia Nacional, que impôs a jubilação automática de magistrados com 62 anos.
A lei aprovada na quinta-feira pela maioria parlamentar que apoia o Governo impôs que todo o magistrado judicial ou do ministério com 62 anos deve “cessar imediatamente o exercício ativo da magistratura, passando automaticamente à situação de indisponibilidade”, “independentemente de quaisquer formalidades”.
O diploma foi promulgado no dia seguinte pelo Presidente são-tomense, Carlos Vila Nova, e publicado na segunda-feira.
Com entrada em vigor da nova lei, cessaram funções o presidente do TC, Pascoal Daio, a vice-presidente, Maria Alice Carvalho, e os juízes Amaro Couto e Hilário Garrido, impossibilitando o funcionamento do órgão por falta de quórum.
No entanto, a lei aprovada pela Assembleia Nacional estabeleceu que o único juiz conselheiro que permanece em ativo, Patrick Lopes “assegura o funcionamento efetivo e a representação do Tribunal Constitucional” até ao preenchimento das vagas no prazo máximo de 30 dias.
A lei determina ainda que “cessam automaticamente com a jubilação ou aposentação” do magistrado, “os direitos ao uso profissional e pessoal de viatura e combustível, bem como de motorista e subsídios para telefone, água e luz, por serem inerentes ao exercício efetivo da função de magistrado”.
O diploma foi aprovado com cinco votos do grupo parlamentar da coligação Movimento de Cidadãos Independentes-Partido Social/Partido de Unidade Nacional (MCI-PS/PUN) e 28 votos da Ação Democrática Independente (ADI).
Os deputados dos partidos da oposição votaram contra a lei, respetivamente 18 do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe/Partido Social Democrata (MLSTP/PSD) e dois do movimento Basta, e tinham pedido ao Presidente da República para vetar o diploma, alegando inconstitucionalidade.
Antes da aprovação da lei, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura Judicial, Silva Gomes Cravid convocou a imprensa para sublinhar que a lei é uma “intenção maldosa” dos deputados, “que visa exclusivamente os interesses próprios, interesses de grupos, perseguindo os juízes pelas ações”.
O presidente da Universidade Lusíada de São Tomé e Príncipe e analista político, Liberato Moniz, enalteceu os cortes de regalias definidos na lei, mas lamentou a forma como o processo foi concebido, sobretudo enquanto iniciativa do partido dos “irmãos Monteiros”, envolvidos nos processos relacionados com a Cervejeira Rosema.
“Fica evidente que para além de tentar ser justo em retirar os dividendos, que também houve intenção de tentar achincalhar as pessoas e isso, no meu entender, não é bom, porque no futuro, quando houver nova maioria na assembleia, a parte que hoje saiu prejudicada poderá fazer exatamente o contrário, refutando essa lei e indemnizando as pessoas, e quem sairá prejudicado será novamente São Tomé e Príncipe”, comentou Liberato Moniz.
O analista também criticou a celeridade do Presidente da República “perante uma lei dessa tão polémica”.
“Dá a entender que ele próprio já conhecia a lei, já sabia o que era porque ele não se preocupou minimamente em mandar para uma fiscalização preventiva ou voltar a ouvir as pessoas”, criticou.
Os quatro juízes que cessaram funções no TC, por força da entrada em vigor da Lei Interpretativa do Sistema de Justiça, participaram nas decisões do TC que em 2019 permitiram a anulação de uma proposta de acórdão que pretendia devolver a Cervejeira Rosema aos atuais líderes da coligação MCI-PS/PUN, que propôs a aprovação da lei interpretativa na Assembleia Nacional.
O primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe, Patrice Trovoada, defendeu a proposta, justificando-a com a necessidade de canalizar os recursos do Estado para os juízes que estão no ativo, diminuindo as regalias dos juízes reformados.