Juristas defendem revisão da Constituição, mas são contra o presidencialismo em São Tomé e Príncipe

Em setembro, o primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, disse que o seu partido, a Ação Democrática Independente (ADI) vai avançar com a revisão da Constituição e admitiu propor a mudança para o regime presidencialista antes das eleições gerais de 2026.

Justiça -
Rádio Somos Todos Primos

Vários juristas são-tomenses, incluindo dois ex-primeiros-ministros e uma ex-bastonária da Ordem dos Advogados, defenderam a revisão da Constituição do país, mas rejeitaram a implementação do sistema presidencialista, apontando a “fragilidade das instituições”, sobretudo os tribunais, como o principal entrave.

“A nossa Constituição, de pendor parlamentar, tem, naturalmente, como qualquer Constituição, a necessidade de periodicamente ser ajustada. Mas, aquilo a que nós assistimos atualmente no nosso país […] nós temos fragilidades muito sérias para termos um sistema presidencial”, defendeu o jurista e ex-primeiro-ministro Gabriel Costa.

O jurista falava enquanto orador numa conferência nacional organizada pela Ordem dos Advogados de São Tomé e Príncipe, na quinta-feira, sob o tema “A revisão constitucional em São Tomé e Príncipe”.

Gabriel Costa considerou que “a forma gritante como se enfraqueceram os tribunais, que é um dos pilares das liberdades […], seria uma aventura grande” apostar “por um sistema de governo presidencial, em que o Presidente da República tem poderes acrescidos”, uma vez que atualmente “não há contrapoderes”.

O ex-primeiro-ministro são-tomense (2002, e 2012-2014) admitiu que deixar “a concentração do poder nas mãos de só homem, é porta aberta”, sublinhando que alguns órgãos de soberania “estão tolhidos de funcionar”.

“Essa Constituição [atual] não foi completamente explorada […] não pode haver uma revisão oportunista da Constituição, situacionista da Constituição, mas deve-se dotar o país da Constituição que ele merece para entrar na senda da modernidade, para resolver os problemas da população, que é o fim do nosso sistema”, defendeu Gabriel Costa.

A advogada e ex-bastonária da Ordem dos Advogados Celiza de Deus Lima também defendeu a revisão da Constituição, sobretudo para reforçar a garantia dos direitos fundamentais e direitos humanos.

O que é necessário mudar na Constituição e que é urgente, não tem a ver com os poderes dos senhores políticos, com a organização política do Estado. É essencialmente o catálogo dos direitos fundamentais, direitos humanos. É isto que é essencial na Constituição”, defendeu Celiza de Deus Lima, sublinhando que o processo “não pode ser arma de arremesso entre os partidos políticos” e “não pode ser vista como um bicho papão”.

“A questão [de alteração] do sistema do Governo é outra, e eu particularmente posiciono-me contra”, declarou a jurista, apontando que o país está num estado “de degradação das instituições democráticas” sobre o qual responsabilizou os sucessivos políticos que têm governado o país.

A atual Constituição são-tomense está em vigor desde 2003.

Em setembro, o primeiro-ministro são-tomense, Patrice Trovoada, disse que o seu partido, a Ação Democrática Independente (ADI) vai avançar com a revisão da Constituição e admitiu propor a mudança para o regime presidencialista antes das eleições gerais de 2026.

“Temos que efetivamente fazer a revisão constitucional. A questão do sistema do Governo é efetivamente uma outra questão”, sublinhou o jurista e ex-primeiro-ministro(1999-2001) Guilherme Posser da Costa.

No entanto, Posser da Costa considerou que o poder político atual liderado por Patrice Trovoada e o partido ADI quer sobretudo mudar o sistema político e não a correção das lacunas e o reforço da proteção dos direitos humanos.

Há várias coisas na Constituição que já aconteceram que levam realmente a que nós nos sentemos calmamente e façamos a revisão constitucional nesses aspetos que são os aspetos conflituosos. Agora que a intensão não é essa, meus senhores, eu sei que não”, disse Posser da Costa.

O bastonário da Ordem dos Advogados defendeu que “a discussão em torno da revisão da lei fundamental do país não deve circunscrever-se à classe política”, sublinhando que “a comunidade jurídica tem um papel muito importante a desempenhar neste processo, pois, mais do que política, trata-se de uma matéria puramente jurídica”.

“Entendemos que parece não haver dúvidas de que a nossa Constituição está completamente desatualizada, carecendo, por isso, urgentemente de revisão. Porém, a grande questão que se deve ter em conta é que a revisão que se pretende não deve ser feita de qualquer forma”, sublinhou Herman Costa, apelando a um processo “com a participação de todos” e que “deve atender aos superiores interesses do povo de São Tomé e Príncipe e não de uma ou outra classe política”.

A conferência que assinalou o dia dos advogados são-tomenses contou com a participação de dezenas de juristas, representantes de instituições públicas e privadas e de partidos políticos da oposição, membros da sociedade civil, mas nenhum membro do Governo ou da direção da ADI estiveram presentes.

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