No amor, ainda se perdoa. O casal discute, bate portas, bloqueia-se no Facebook, mas depois de uma noite de chuva e um prato de calulu, lá estão novamente juntos, como se nada tivesse acontecido. Mas quando esse “casal” é formado por políticos, interesses obscuros e dinheiros públicos, o fogo reacendido não queima apenas corações — queima o futuro do país.
A política são-tomense é uma telenovela de longa duração: os mesmos rostos, os mesmos discursos, as mesmas promessas recicladas com um novo verniz. Mudam-se os partidos, trocam-se os slogans, mas o sistema permanece intacto — um forro cheio de pó de fogo velho, onde qualquer brisa de oportunidade acende o velho hábito do compadrio, dos esquemas e dos jogos de bastidores.
É como aquele ex que jura que agora é sério, que mudou, que vai fazer tudo diferente. E o povo, como quem quer acreditar, dá mais uma oportunidade. Mas bastam três meses de governação para que o fogo antigo volte a arder: desaparece dinheiro, surgem contratos duvidosos, começam obras que nunca se concluem — e os culpados? São sempre os outros.
A corrupção em STP é um romance tóxico de longa data. Toda a gente conhece, toda a gente comenta, mas ninguém termina a relação. E o mais irónico é que os protagonistas deste drama, mesmo quando fingem ser adversários políticos, no fundo entendem-se melhor do que muitos casais de longa data. Afinal, pau de fogo velho tem intimidade: sabem onde está o isqueiro, o fósforo e o bidão de gasolina.
Enquanto isso, o povo vive de promessas. Espera por hospitais funcionais, escolas com condições dignas, estradas que resistam mais do que uma estação de chuvas. Mas tudo parece sempre emperrado, como se o país estivesse eternamente preso a uma relação abusiva com a sua própria elite política.
A verdade é que este fogo velho precisa de ser extinto, e não alimentado. Mas como fazê-lo, se o forro continua o mesmo e o pó nunca é limpo — apenas varrido para debaixo do tapete? Talvez o país precise de um novo tipo de amor: um amor-próprio colectivo, capaz de dizer “basta”, de recusar voltar para quem sempre prometeu e nunca cumpriu.
Até lá, o ciclo repete-se: eleições, desilusões, escândalos e reconciliações convenientes. Como um casal que discute à sexta-feira e está abraçado ao domingo, a fingir que nada se passou.
Mas nós sabemos. O forro ainda está cheio de pó de fogo velho. E, em STP, qualquer faísca vira labareda.
Amador Cruz
Humor de Gravana, N°5