O advogado Miques João Bonfim iniciou hoje uma greve de fome, após ficar em prisão preventiva por indícios da prática de três crimes de abuso sexual de crianças contra uma menor de 11 anos, disse à RSTP o seu defensor, Carlos Semedo.
“Miques João declarou, encarregou-me, como advogado dele, de anunciar publicamente que a partir do momento em que ele sai daqui e entrar na cadeia está em greve de fome […] eu posso não sair vivo da cadeia, mas eu tenho que sair limpo da cadeia, eu não vou comer, eu entro em greve de fome”, disse à Lusa o advogado Carlos Semedo.
O advogado disse que a decisão de entrar em greve de fome é exclusiva de Miques João, “porque ele entende que não há garantias de julgamento idóneo, isento em São Tomé e Príncipe nessa circunstância”.
Segundo Carlos Semedo, a juíza do processo fundamentou a decisão de prisão preventiva porque “entendeu que havia um alarme social”, “perigo de perturbação do inquérito e eventualmente perigo de fuga”.
“Nós procuramos demonstrar na audiência que a prova trazida pelo Ministério Público não se comprovam os crimes de abuso sexual de criança […] nós interpusemos de imediato o recurso, que foi admitido, estamos a aguardar a extração das certidões para podermos apresentar o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça”, declarou Carlos Semedo.
Miques João Bonfim estava a ser investigado há algum tempo pela suspeita de abuso sexual da irmã da sua mulher, que vivia ao cuidado do casal.
Na quarta-feira, a alegada vítima, que tem agora 15 anos, e sua mãe vieram a público denunciar o advogado, alegando que o Ministério Público não estava a avançar com o processo.
“Quando eu tinha 11 anos, meu cunhado [Miques João] abusou de mim, me ameaçou para eu calar a boca. Se eu falasse, ele ia matar toda a minha família, e quando eu tentava falar ele batia na minha irmã. Uma vez ele bateu na minha irmã, espremeu-lhe o pescoço, e ela foi parar até o hospital. Então, a segunda vez que ele tentou abusar de mim, eu saí de casa a correr para a rua”, relatou a alegada vítima.
A menor disse que contou o que se passou a uma das sobrinhas de Miques João Bonfim, mas que esta a aconselhou a não o denunciar, para proteger o casamento da irmã.
A mãe da menor reforçou a denúncia contra Miques João Bonfim e saiu em defesa de um jovem que diz estar a ser injustamente acusado por Miques João Bonfim pelo abuso sexual da menor.
Numa declaração em direto na rede social Facebook, na terça-feira, Miques João Bonfim, que tem a inscrição suspensa pela Ordem dos Advogados, negou a acusação e afirmou estar a ser alvo de uma cabala política a mando do ex-primeiro-ministro Patrice Trovoada.
“Infelizmente, São Tomé e Príncipe ficou assim, as pessoas são compradas, as pessoas são pagas, as pessoas são mesquinhas ao ponto de se dar ao luxo e venderem-se para ganhar dinheiro e pôr em causa a imagem, o bom nome e a integridade das pessoas”, acusou.
A mulher de Miques João Bom Bonfim, irmã da alegada vítima, também negou que tivessem ocorrido os abusos.
Miques João Bonfim é um advogado contestatário do sistema judicial e judiciário são-tomense que assumiu a defesa do único civil acusado e condenado no processo do assalto ao quartel militar de 25 de novembro de 2022, que resultou na morte de quatro homens que estavam sob a custódia dos militares.
Desde então tem feito várias acusações públicas contra magistrados, políticos e outros advogados que considera estarem a violar as leis em defesa do ex-primeiro-ministro Patrice Trovoada, bem como contra as chefias militares acusadas no processo, mas que até ao momento não foram julgadas.
Os partidos da oposição são-tomense reagiram com preocupação à detenção do jurista Miques João Bonfim.
“Não pode deixar de causar inquietação, o contexto em que surge este caso. Nomeadamente por se tratar de um advogado que tem desempenhado um papel público, ativo, para o cabal esclarecimento e responsabilização dos culpados do caso 25 de novembro”, declarou o presidente do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP), Américo Ramos.
O Movimento Basta, através do seu coordenador, Salvador dos Ramos, considerou “inadmissível que a justiça são-tomense continue a operar com dois pesos e duas medidas, permitindo que denúncias públicas, antes de devidamente investigadas e comprovadas, se transformem em julgamentos sumários e factos consumados”.